“Ó sentinela…Que dizes da noite?”

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Manuel Quintas

O Profeta Isaías fez a pergunta ao soldado que está de vigia ao quartel. O soldado desse posto tem o nome de sentinela. Se está de vigia, isto é, se está a ter conta, não se pode ausentar nem distrair nem muito menos dormir. Tal coisa seria o pior que poderia acontecer aos outros soldados do quartel.

No tempo da Guarda Fiscal Portuguesa, havia um posto em Areosa que se chamava «Portinho de Vinha» e também outro em Carreço, chamado o «Posto de Montedor». Eram ambos guarnecidos com vários soldados aos quais competia acautelar a fronteira marítima, impedir o desembarque de inimigos, vigiar o contrabando, coarctar a pesca ilegal e, sobretudo, impedir a emigração clandestina que era muito forte no tempo do milho crescido. A vigilância, tanto de dia como de noite, fazia-se ininterruptamente. Mas, numa célebre noite, o soldado sentinela, sem nenhum entretenimento na caserna e com o sono a ligar-lhe as pestanas, cedendo à tentação da cama, desvalorizou o perigo e, despindo a farda, enfiou o pijama e, cinco minutos depois, ressonava. Claro que não ponderou o perigo em que se meteu porque, partindo do princípio que não terá vindo nenhum inimigo da Pátria, veio o Comandante vigiar o posto e deu com a sentinela a dormir.

Ó sentinela …Que dizes da noite?
Após a repreensão que se adivinha severa, a sentinela, mais do que chateada e muito estragada, na sua bestunta cabeça, entendeu que o Comandante já estaria em casa e na cama a dormir, e, então, também ele poderia de novo ir para cama. Se bem o pensou melhor o fez. Subestimou o dever. A manta do diabo tem só três pontas. O sono traiu-o mais uma vez. O Major Fernandes, da Casa do Lobo de Areosa, decidiu repetir a visita ao posto… Coisas do Demo. Imaginem o Comandante de pé a barafustar ou censurar e o subalterno a segurar as calças mal abotoadas. Não há dúvida: coisas do Demo.

Ó sentinela…Que dizes da noite?
Pois…Que hei-de dizer? Foi pior a emenda do que o soneto. E, então agora, sem sono algum e a medir as consequências, logo que ficou de folga, o militar correu a Melgaço e de seguida a Braga para apanhar o irmão padre que ele sabia ser meu condiscípulo. E eu, já com o colega a falar comigo em Areosa, pus-me à procura das palavras certas para convencer o Senhor Major que eu sabia ser cem por cento católico, mas duzentos por cento rigoroso, trezentos por cento militar e mil por cento português de gema. Eu sabia quem era aquele cidadão da Pátria. Foi por isso que, só muito contrariado, acedi ao pedido e fui encontrar o meu amigo Comandante em Caminha, com ar de aborrecido, a lavrar o auto de punição do prevaricador. E foi ele a falar:
«A Pátria correu perigo. A segurança de todos esteve abandonada. O contrabando teve a porta aberta. O inimigo da Pátria podia ter entrado. Soldado a dormir é soldado a punir. Prevaricador repetente, é prevaricador repelente. Soldado transgressor é soldado sem valor. Vai ser exonerado da Guarda Fiscal».
Que susto eu apanhei. Fiquei sem palavras.

Ó sentinela…Que dizes da noite?
O pai dos Padres Vale José Maria e Manuel Gonçalo foi mobilizado para a 20 Grande Guerra Mundial. Felizmente, a guerra não atingiu Portugal, mas ninguém livrou o meu Padrinho de passar cinco ou seis semanas no Quartel de…,onde as sentinelas, que eram três, de hora em hora, e na sua vez, gritavam desta maneira:– «Sentinela alerta»; e a segunda respondia:– «Alerta está»; e a terceira concluía:– «Passo a palavra».
De facto, a sentinela é a nossa segurança, o nosso sossego, a certeza do nosso sono.

Ó sentinela…Que dizes da noite?
E tudo isto para acabar: Ó Pátria…Que dizes da noite? Ó Diocese…Que dizes da noite? Ó Santa Luzia…Que dizes da noite?
Se o meu aparo não partir e se a tinta não se extinguir, ¡á que ninguém diz nada, irei eu dizendo alguma coisa.

Foto: Sentinela

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