Jacques Tati foi um célebre ator e cineasta francês de vocação comediante, que se notabilizou entre as décadas 50/70 do século XX, principalmente quando teve o ensejo de criar a figura extravagante do Sr. Hulot, personagem carismática para o grande público, arrebatando, à custa disso, um considerável êxito.
Ao entronizar essa personagem, Tati dota o Sr. Hulot de um perfil que dá preferência às formas de estar na vida apenas focado nas ações do curto prazo, metendo-se, sem rebuço, em todo o tipo de iniciativas, ou então dando prevalência a coisas banais e pouco pertinentes, que lhe ocorrem no seu ideário. Com esta maneira de ser ínsita no carater de Hulot, ele só podia dar num homem castiço, com uma estatura alta, de porte hirto, andando sempre com a mesma gabardina, afável e educado, mas numa lógica direcionada para o humor requintado, sem ser propriamente estrepitoso, muitas vezes consignado pelo seu modo subtil, distraído e alegórico, como aborda os outros.
Dos quatro filmes, em que Hulot é a personagem central, recomendo três deles, como sendo os mais entretidos, e com um conteúdo mais pragmático. No caso do primeiro filme, “Les Vacances de Sr. Hulot” de 1953, Hulot estreia se neste formato jocoso, na pele de um peralvilho providencial, viajando até uma reputada zona balnear para pleno gozo de férias, mas, ao chegar ao destino, vai provocar quase sem querer, uma panóplia de contingências hilariantes, causando algum embaraço e perplexidade a todo o meio envolvente. Em “Mon Oncle” de 1958, as diferenças sociais e económicas abissais entre familiares é matizado como uma vertente satírica, com Hulot no seu registo habitual, a encarnar num cabotino que vive de biscates, sendo uma pedra no sapato para o seu cunhado rico, um homem orgulhoso e exibicionista, que faz de tudo para afastar do seu único filho, a influência laxista de Hulot. Por último, em “Trafic” de 1971, Hulot dá corpo a um designer de automóveis, despachado e excêntrico, que está incumbido de transportar uma rulote sofisticada a um certame de automóveis em Amesterdão, só que a sucessão duma série de peripécias e o empecilho do transito vai-lhe dificultar imenso esse objetivo.
Contudo além da proeminência da personalidade de Hulot, existem mais dois aspetos determinantes nestes filmes, que de certa forma são um complemento inequívoco para o sucesso destas produções. No primeiro ponto, noto o significado que Jacques Tati revela pela intencionalidade e persecução das cenas, reduzindo a perceção auditiva dos diálogos a ténues expressões, obrigando, com isso, o espectador a estar mais concentrado com as incidências dos estímulos visuais. No segundo ponto, salienta-se a importância cabal que as personagens secundárias conferem, verificando-se, a título de exemplo, nas passagens do filme “Mon Oncle”, os cãezinhos abandonados a caminharem do lado esquerdo da estrada, ao invés do cão pertencente ao homem mais rico, que faz simultaneamente o mesmo percurso, mas no lado inverso da estrada, ou então o varredor anzoneiro que, em vez de executar o seu ofício, passa o tempo a tagarelar com os conhecidos que se aproximam.
Uma das ilações que se tira desta humorística personagem é que devemos desfrutar de um dia de cada vez, porque nunca se sabe o que reserva o dia seguinte.