O trabalho em França

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Leandro Matos

Depois de ter obtido a autorização e passaporte para emigrar para França e ter sido submetido a exames médicos no ex- Office National de Emigration, no Porto, (nos anos sessenta era assim, devido ao acordo entre França e Portugal), na sequência da tal carta de chamada (assim chamada), que, consistia num contrato de trabalho feito por uma empresa francesa que assumia a responsabilidade de fornecer emprego à chegada, a firma que o tinha feito, por recomendação de meu tio Domingos, não tinha laboração e fui então para outra por “cunha” de um amigo, o Daniel Figueiras. A empresa situava-se junto ao Arco do Triunfo, nos Campos Elísios, que, além de um novo contrato de profissão, me forneceu toda a documentação de residência. Era jovem e levava comigo um curso industrial.

Havia na época uma organização terrorista que atuava maioritariamente em Paris, com atentados persistentes, chamada O.A.S. (Organisation de l’Armée Secrète) que revindicava a independência da Argélia, uma colónia francesa, na época.

Os atentados a supermercados e “boutiques” sucediam-se e cheguei mesmo a temer, muitas vezes, pela vida. Quando aconteciam, os vidros caíam aos bocados com os abalos que os prédios sofriam. Por ali fiquei cerca de seis meses, trabalhando como ferrageiro na construção civil. Tinha de ser. A necessidade de obter documentação de residência assim o obrigava.

Vi desfilar grandes presidentes na companhia do General De Gaulle, tais como Lumumba, presidente do Congo, ex.Belga, e John Kennedy, dos Estados Unidos, que foram mais tarde assassinados, e muitos outros.

Era um local privilegiado para assistir aos desfiles em carro descapotável da presidência da República Francesa, ao longo da grande Avenida dos Campos Elísios. Guardo, apesar de tudo, uma boa recordação. Ao longo dos tempos fui ganhando amizades – amigos franceses, espanhóis, italianos e até argelinos, não esquecendo obviamente, os portugueses.

Em determinada altura fui convidado por um amigo espanhol para ir trabalhar com ele noutra empresa, fazendo a triagem das placas em mármore a colocar. Entendia de desenho e não era difícil para mim. Isto já depois dos seis meses cumpridos para a obtenção da documentação.

O ordenado era aliciante, sempre superior ao que recebia e acabei por aceitar. O local era o Hotel Hilton, ainda em construção, muito perto da Torre Eiffel. Para mim, um trabalho mais leve e mais concentrado na aplicação do desenho técnico, que tinha estudado em Portugal.
Entretanto, matriculei-me na Alliance Française. Para ali ia estudar todos os dias depois do trabalho.

Eram dias bem preenchidos, com uma saída bem cedo de casa pela manhã, para regressar perto da meia-noite. Para conseguir tudo isto muito contribuiu o meu tio, ajudando-me e incentivando-me.

Recordo um episódio passado nessa obra do Hotel Hilton. Havia um encarregado que se julgava muito sabichão e mandão, um pouco ao desagrado de muitos de nós. Um dia, um operário mais afoito resolveu encher um balde de gesso, em líquido, e arremessá-lo do sétimo andar por cima dele. Ficou todo sujo e naturalmente todo branquinho. Para se limpar foi complicado. Não deu para mutilar, nem se pretendia isso, mas apenas como uma brincadeira de represália.

Nunca soube quem foi o atrevido autor da brincadeira, mesmo após investigações. Havia muita gente a trabalhar naqueles andares: espanhóis, portugueses, árabes, poloneses, para além de outras nacionalidades. Franceses eram em maioria.
Entre nós, houve sempre um espírito de entreajuda e cordialidade.
Assim acontecia comigo em França nos anos sessenta.

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