O Zé da Bola e o Zé Povinho

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Antero Sampaio

No tempo da feroz Ditadura que governou este País até ao 25 de Abril de 1974, dizia-se que uma das armas que o Governo tinha para “entreter” os portugueses era o Fado (Canção Nacional), Fátima (o Altar do Mundo) e o Futebol. A política e o bem estar do povo passavam para segundo lugar. Passados quarenta e cinco anos de Democracia, todos os anos, antes de começarem os campeonatos nacionais de futebol, a Champions League e os jogos da selecção nacional, as televisões, incluindo a RTP 1, 2 e 3, passam a maior parte do tempo de antena a falar das transferências milionárias dos profissionais da bola, entrevistas com os transferidos, notícias do mundo da bola. Como se o Futebol fosse uma mais valia (e isso já aconteceu) para interromperem um debate político para anunciar mais uma transferência. Parece que os problemas deste País param para dar lugar à discussão apenas dos problemas do Futebol.

E isso é visível, e de que maneira, nas televisões, quer pública ou privadas, a partir de segunda feira de cada semana, com as transmissões dos principais jogos, com os comentadores, de todas as estações, e são tantos, devidamente remunerados, a emitirem as suas opiniões sobre a vitória, empate ou derrota do seu clube, ou da selecção. Há televisões que abrem os telejornais com notícias da bola, resultados dos jogos, as tricas entre dirigentes de grandes clubes, etc., etc.. Então a despedida do jogador Jonas fez “corar as pedras”. Até estou admirado como o SLB não fez, com este jogador de eleição, como fez com o Luísão.

Se gostavam tanto dele? Os problemas do País ficam para segundo plano. E como fomos Campeões da Europa, há quem pense que vamos, um dia, ser Campeões do Mundo. O Zé da Bola não sabe, quando um dia, deixar de trabalhar, se vai ter ou não uma reforma, ou mesmo se o emprego que tem é duradouro, isso é secundário. Até se o governo que vai entrar em Outubro, vai aumentar os impostos, a água, a luz, etc., etc., isso é coisa que não lhe interessa. O que ele quer, salvo melhor opinião, é que a nossa selecção, principescamente instalada, ganhe o campeonato do Mundo de Futebol, que o Benfica seja de novo campeão. Se isso acontecer, vai haver festa rija durante vários dias em Portugal, pode até ser feriado nacional e os jogadores receberão as mais altas condecorações e considerados heróis nacionais.
O Benfica acabou de ser campeão nacional, em Maio passado. Uma loucura, dias e dias de festa, recepções e almoços, televisões, pública e privadas, a transmitirem, hora a hora, toda a festa do Benfica, de dia e de noite. Esqueceram-se que tanto o Sporting como o Porto já foram, noutros tempos, campeões nacionais.…E o Zé da Bola cantou, pulou, elogiou aqueles “heróis”, pagos a peso de ouro, que desfilaram pelas ruas de Lisboa, mostrando o troféu conquistado, muitas vezes, em jogos pouco claros, com resultados duvidosos, onde a verdade desportiva foi adulterada. Afinal, a trilogia “Futebol, Fátima e Fado”, mas sobretudo o Futebol, está a transformar este País num País da Bola, onde os problemas dos portugueses passam para segundo lugar. É a renovação do cartão de cidadão, esquecendo o Governo que nem todos têm computador, são os milhares de portugueses que ainda não têm médico de família, que cada vez há mais pessoas sem-abrigo, a dormirem no chão e a viver de esmolas, são os jovens universitários que, sendo doutores, não encontram lugares compatíveis, é o problema da habitação (acessível), são os problemas eternos da justiça à espera da prescrição, para não serem condenados.

É que, além do Zé da Bola, há o Zé Povinho, onde estou inserido. E aqui, o caso é mais sério e diferente. O Zé Povinho preocupa-se, não com o Mundo da Bola mas, sim, com a miséria do ordenado que leva para casa; com o filho ou a filha que tem que emigrar para ter emprego; com a sua sobrevivência e da sua família e com a sua reforma, quando não tiver idade para trabalhar. Ao mesmo tempo, olha com desconfiança para uma classe política que só pensa no seu “umbigo”, com dirigentes a saltar de “tachos” em “tachos”, de empresas para empresas, com ordenados dourados, mais preocupados com o seu futuro do que com o futuro do País. O saudoso Dr. Raúl Rego, director do jornal “República”, num livro que publicou, escrevia, a dado passo, que “um ministro dizia aos seus amigos para lhe fazerem uma festa, não como ministro, mas sim quando deixasse de o ser”.

É por isso que eu não me admiro nada, com o comportamento dos profissionais da bola, onde os jogadores ganham salários milionários, idolatrados pelos Zés da Bola, alguns até têm, imaginem, guarda costas, que os aplaudem de braços abertos e eles, como Kaisers, Napoleões ou Imperadores Romanos, olham para o Zé Povinho com desprezo, convencidos que pertencem a uma classe alta, sumptuariamente bem paga, digo até, que são “um País dentro de outro País,” não se preocupando que aqueles que lhes batem palmas e lhes chamam heróis nacionais, na maioria, vivem na miséria, muitos nem ganham o ordenado mínimo nacional. Com tantas contradições, não há dúvida, caro leitor, que Portugal é um País Pobre e um Pobre País. Quer Fátima, o Altar do Mundo, quer o Fado, como Canção Nacional, e o Futebol como fazedor de paixões, têm a importância que têm. Na minha opinião, o bem estar dos portugueses, o meu bem-estar, a baixa do desemprego, um maior investimento, melhor ensino, melhores cuidados de saúde, promessas feitas pelos novos governantes, na minha opinião, dizia eu, deviam ser mais importantes do que o Futebol, Fátima e o Fado. Pelo menos, para mim, interessa-me mais o meu bem estar, o da minha família, o meu nível de vida, do que o que se passa no mundo do futebol.

Agora, com um Presidente da República mais ligado à população, com um Governo, uma nova classe política de esquerda, interessada no bem estar do País, todos os portugueses esperam uma melhoria de vida em todos os sectores, e menos desemprego. O resto, para mim, é secundário. É que eu já fui um Zé da Bola, sócio de um grande clube, já bati palmas, já estive nas festas dos títulos nacionais, já andei pelas ruas a buzinar, festejando as vitórias do meu clube. Agora, sou um Zé Povinho, pensionista, que, mal abre a televisão, em todos os canais, públicos ou privados, nos noticiários, fica estupefacto com notícias dos campeonatos e do dia a dia do futebol. Parece que neste País não há assuntos mais importantes a resolver do que o êxito, ou não, do Futebol. Este, como grande indústria que é, tem o valor que tem. O nosso País, salvo melhor opinião, tem que se preocupar mais com os problemas da educação, da saúde, do investimento, do sector financeiro, do emprego juvenil e de longa duração, das empresas, do aumento das exportações, etc., etc..

É isto que o Zé Povinho espera dos seus governantes, Primeiro Ministro e Presidente da República. E quanto à RTP, paga por mim e por todos os portugueses, que fale mais dos problemas nacionais do que de Futebol. Não queira tornar-se numa Benfica TV nº. 2!
Antero Sampaoio

Jornalista

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