Os afetos e as crianças

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A. Lobo de Carvalho

Muito recentemente num programa de TV, um idiota qualquer, travestido de intelectual, afirmava que é uma violência as crianças serem obrigada a beijarem os avós, defendendo que devem crescer livremente. O que ele na verdade deveria querer significar é que os avós são como o lixo e que devem ser descartáveis, levando-me a concluir que a sociedade poderá estar perante mais uma onde de xenofobia ou de ódio pelos mais velhos. Esta tentativa não é nova, mas aparece agora, ardilosamente, ligada à criança, com uma certa comunicação social de sarjeta a privilegiar esta e outras temáticas disfuncionais.
Não sei qual seja a cor política do pseudo-intelectual em questão, mas pelo look que apresentava não será difícil adivinhar o seu extremismo, tanto mais que deve ser um dos muitos que tem contribuído para que as famílias estejam hoje mais desestruturadas e a sociedade mais fracturada nos seus princípios e valores morais e éticos. Provavelmente não conheceu o amor dos avós e, até, talvez dos pais, e é hoje mais um desinserido na família.
Uma criança é um ser indefeso que precisa de carinho e atenção permanentes no acompanhamento do seu crescimento, que, de modo empático, irão moldar o seu carácter, não de forma obrigatória, mas de forma perfeitamente natural. Se não lhe são dedicados afectos pelos progenitores, em que o acto de beijar evidencia particular relevo pelo que significa na expressão do amor, e se não se lhe vão transmitindo valores morais que a mesma vai apreendendo no seu crescimento, a criança acabará por tornar-se num adulto sentimentalmente vazio e socialmente deslocado, originando muitas vezes atitudes comportamentais reprováveis em que a Justiça terá de intervir. Todos nós conhecemos vastos exemplos desta situação.
Ora, no seio familiar, assume primeira importância a acção dos pais, mas tem-na também a atitude afectiva dos avós, que amam os seus netos como que sejam os filhos. São eles que, com o seu calor humano, dedicação e amor infinitos, e vivência multifacetada, contribuem para moldar os netos, prepará-los para o que é a realidade da vida e torná-los pessoas mais sensíveis, educadas e úteis à sociedade onde se integram. E os pais agradecem esta prestimosa dádiva, porque as exigências da vida não lhes dão muito tempo para dedicar aos filhos.
Pessoalmente sinto orgulho em ser avô e extravaso de alegria quando os meus netos e netas, ainda criancinhas, nos visitam correndo para a avó e para mim e se penduram em nós, abraçando-nos, beijando-nos e transmitindo a alegria de viver, a que correspondemos com um natural arrebatamento que nos sai do fundo da alma. O convívio e a expressão mútua dos afectos são algo que nos dão força e nos ajuda a ir em frente. Sinto naquelas crianças a emanação do amor de Deus, o sangue do meu sangue, um sonoro hino à vida, o renovar da esperança! E todos os dias, agradeço ao meu Deus a alegria e a felicidade por ser avô. Sinto-me um avô realizado, completo, feliz com os meus netinhos e, naturalmente, com os meus três filhos, que são os meus grandes heróis.
Mas também transporto dentro de mim a mágoa de não ter conhecido os meus avós, uma espécie de vazio. Infelizmente não conheci nenhum deles porque Deus os chamou antes que tal acontecesse, e isso leva-me muitas vezes a pensar como teriam ficado felizes se tivéssemos convivido. Mas os meus pais souberam dar-me um amor infinito que nunca esquecerei, amor que, em comunhão conjugal, transmitimos aos filhos e que damos aos netos e netas.
Para todos os casais que têm filhos incentivo-os a que ensinem as crianças a amarem e a beijarem os avós, sem qualquer complexo, e a manifestar estes afectos seja onde for. Não se deixem contaminar pela verborreia, ideias e palavras tóxicas de pseudo-intelectuais estultos e desumanizados que, não contentes com os danos já provocados às famílias e à sociedade, voltam a pôr a cabeça de fora para continuarem a sua saga destrutiva dos valores morais e dos sentimentos.
O beijo e o abraço, vindos do mais íntimo de nós próprios, constituem a expressão máxima do amor e da ternura. Beijar e abraçar alguém que é um bocadinho de nós, como o são os filhos e os netos, e ter uma atitude recíproca, sentida e autêntica, como o é a espontaneidade de uma criança, traduz uma alegria que não tem limites e fortalece o sentido para a vida. Por isso, enquanto avós, pais e netos, não há que ter complexos em manifestar os sentimentos e os afectos que nos brotam do fundo da alma.
Pugnar por famílias onde pontifique o sentimento do amor recíproco, parece-me ser o caminho acertado para que as crianças e os jovens alcancem o seu equilíbrio emocional e fortaleçam a sua personalidade, numa sociedade que se deseja funcional e solidária e com valores.

(Foto: “Blog RCAAP”)

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