Os cristãos e a política – 3

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José Veiga Torres

A verdadeira política tem por objetivo o Bem Comum, obtido por justa ordenação e justa regulação das relações sociais. Só é viável esse objetivo em regimes democráticos. Só neles é possível um mínimo de liberdade de participação e de expressão política. Nos regimes e sistemas totalitários ou autoritários, a ordenação e regulação das relações sociais é monopolizada por uma hierarquia elitista de poder (secular ou eclesiástico) que exclui e reprime qualquer tentativa de participação de outrem no seu poder. Tais regimes e sistemas contradizem, obviamente, a vocação cristã para a liberdade. «Fostes chamados para serdes livres, fazei-vos servos uns dos outros através do amor», dizia Paulo de Tarso aos cristãos galeses (Ga. 5,13). Mas a verdadeira liberdade não é fácil, porque a liberdade de cada um tem de estar disponível e aberta à igual liberdade dos outros. De outro modo, a liberdade gera conflito, dominação e exclusão. Não há liberdade só de uma pessoa, nem só de um grupo de pessoas. Nem os tiranos, nem os ditadores são completamente livres. Necessitam sempre de quem os suporte, uma corte, uma aristocracia, um exército, um partido, ou uma religião. Mas, nem nos regimes democráticos as pessoas são suficientemente livres; neles o poder é detido por grupos ( políticos) que privilegiam interesses privados aos interesses do Bem Comum. Assim, a verdadeira liberdade tem de ser conquistada, numa tarefa permanente, como um direito exigível, mas consciente de que tal direito não é exclusivo. Liberdade de uns que se transforma em dominação de outros é uma perversão. Por isso, a conquista da verdadeira liberdade é de ordem ética, conquista-se eticamente, por legítima reivindicação comunitária.

É uma tarefa difícil, porque se opõe aos egoísmos, pessoais ou de grupo. Exige uma permanente aprendizagem da disponibilidade para com os outros, só viável em comunidades sem hegemonia, segundo o modelo natural das aprendizagens, desde a comunidade familiar, para as comunidades de vizinhança, de integração cultural (escola), de integração religiosa, de integração cívica (política) etc. Era essa aprendizagem que o apóstolo Paulo ensinava às comunidades cristãs. Num modelo de comunidades sem hegemonia (sem clero), o viver cristão  aprendia-se numa  relação mútua de fraternidade e igualdade, que não anulava as inevitáveis diferenças sociais e culturais, mas as enriquecia numa relação e dimensão superior, transcendente, de mútua servidão, que só por amor tem sentido e se consegue.   

O lema da Revolução Francesa, «liberdade, igualdade, fraternidade» alinhava com a advertência atrás citada do apóstolo Paulo, ainda que a não praticasse e até a pervertesse com violência. Foi uma tentativa histórica de conquista de liberdade legítima, de criação de novas práticas políticas, num processo civilizacional de progressividade cívica. O processo exige que o poder político se transforme, se converta, permanentemente, segundo o lema que a ele presidiu.O Poder Político, com as suas coercivas instituições, sobretudo as jurídicas e policiais, só existe porque, de facto, as relações humanas não são nem igualitárias, nem fraternas, são conflituosas e até violentas, contrárias ao Bem Comum. A tarefa política é difícil, porque é seu dever conseguir uma distribuição igualitária e fraterna da partilha do poder, mas facilmente sucumbe à concorrência de grupos (partidos) que lutam pela conquista e detenção ciosa do poder,  sobrepondo ambições particulares às aspirações do Bem Comum de todos.   

A visão cristã da política é de responder às exigências do Bem Comum. Mas só em comum se aprende a ser cristão livre, igual e fraterno, em autêntica comunidade, em que as identidades pessoais, culturais e sociais, sem se dissolverem, se interpenetram. Isso só é possível sem qualquer tipo de hegemonia, nem de culto, nem doutrinal, nem administrativo, nem de prestígio social, e sem que o espírito de corpo (clerical) se transforme em poder. Esse tipo de comunidades existiu nos dois primeiros séculos da nossa era, numa grande variedade de comunidades, cuja unidade advinha da sua relação fraterna, mesmo quando era divergente. Tratava-se de uma original ”instituição sem Poder”, que estava em construção, que convertia as relações sociais, sem conluio com qualquer Poder, mesmo religioso, dando «a César o que era de César», e tratando sobretudo do que era de Deus, isto é, da conversão do poder. Infelizmente, tal instituição comunitária foi sendo bloqueada nos séculos III e IV com a formação de uma hierarquia (clerical) de poder religioso, paralelo ao poder político. Cristãmente, tal instituição há-de recuperar-se plenamente.

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