Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo e a União Soviética

Rui Maia
Rui Maia

O atual paradigma de conflito armado que assola a Europa convoca-nos a recordar velhas memórias do século XX, que de alguma forma aproximaram os povos de Portugal e da União Soviética. Hodiernamente, ainda que de forma subtil, esses povos são incitados a adotar uma postura de antagonismo face a um passado recente, que os coloca voltados de costas para o presente e o futuro, mercê de visões redutoras e imperialistas, que nada têm que ver com a sua natureza humana, tantas vezes deturpada pela falta de liberdade e cultivo de afetos, que é inquinada pela soberba de muitos líderes políticos. 

Viana do Castelo, essa pequena povoação do Noroeste de Portugal, o que terá que ver com a tão distante Rússia, em tempos denominada de União Soviética, ou, simplesmente, URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas? A velha urbe, cabeça de distrito do Alto Minho, conheceu no século passado a fundação de uma das mais importantes empresas da região, vocacionada para a construção naval. Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo foram fundados por escritura pública aos 3 de junho de 1944 – em pleno Estado Novo. A finalidade da criação dessa entidade passou sobretudo pela premência em desenvolver e modernizar a frota de pesca portuguesa. Fundada como Sociedade Comercial por quotas de Responsabilidade Limitada, destinava-se à indústria de construção naval. Aos 30 de maio de 1949, por escritura pública, foi transformada em Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, pelo que se passou a designar: Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S.A.R.L. O seu foco passou a ser a exploração da Indústria e Comércio de Construções Navais e atividades correlativas, pese embora o facto de esta poder explorar outros comércios e indústrias, de acordo com o parecer favorável do Conselho Fiscal. Após o 25 de Abril, os Estaleiros Navais foram nacionalizados, através do Decreto-Lei n.º 478/75, de 1 de setembro. Em 1976, aos 17 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 850, foi criada a empresa pública “Estaleiros Navais de Viana do Castelo, E.P.”, pessoa coletiva com personalidade jurídica, com património próprio e autonomia administrativa e financeira. Desde então, a atividade principal passou a recair sobre a indústria de construção e reparação naval, podendo, todavia, operar nos setores da metalurgia – metalomecânica e outras atividades, na eventualidade de estas se afigurarem de interesse para a empresa. A empresa era tutelada pelo Ministério da Indústria e Tecnologia. No último quartel do século XX (1991) a empresa foi transformada em Sociedade Anónima, pelo Decreto-Lei n.º 55, de 26 de janeiro, detendo capitais maioritariamente públicos, alterando a sua denominação para “Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S.A.”. No presente século, em 2005, a Sociedade Holding do Estado para as indústrias de defesa, EMPORDEF – Empresa Portuguesa de Defesa, S.A., passou a deter 100% das ações da ENVC, S.A. Em 2012, foi aprovado o processo de reprivatização do capital social dos Estaleiros Navais, através do Decreto-Lei n.º 186, de 13 de agosto. 

Praticamente um ano depois, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2013, de 10 de dezembro, declarava a situação económica difícil e com prejuízos avultados com que os Estaleiros Navais se confrontavam. Em 2014, aos 10 de janeiro, os Estaleiros Navais entraram em processo de extinção, tendo o Governo assinado um contrato de subconcessão com o Grupo Martifer até 2031. Aos 2 de maio de 2014, a West Sea – empresa fundada pelo Grupo Martifer – com a finalidade de gerir a subconcessão dos Estaleiros Navais, assumiu a concessão dos terrenos e infraestruturas da empresa. 

Aos 5 de maio de 2015, tomava posse a Comissão Liquidatária que visava extinguir os Estaleiros Navais até ao termo do mês de agosto. Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo construíram mais de duas centenas de embarcações, particularmente, batelões – rebocadores – ferryboats – navios de pesca – porta-contentores e outros. Quanto a navios vocacionados para a pesca do bacalhau, destaca-se a construção do “Senhor dos Mareantes”, o “Senhor das Candeias” e o “São Gonçalinho”. Entre 1944 e 1974, 90% das embarcações fabricadas pelos Estaleiros Navais de Viana do Castelo eram destinadas a armadores nacionais. Nos últimos anos da década de 70 e anos 80, a URSS – União das repúblicas Socialistas Soviéticas, representava o principal mercado da empresa. Afigura-se de facto como curiosa esta última circunstância, que em certa medida aproximava a cidade de Viana do Castelo com a distante Rússia, da qual dependia grande parte da sua população, que encontrava nos ENVC o seu grande empregador. Atualmente, face a este novo paradigma de verdadeira turbulência provocada pela guerra na Europa, o equilíbrio geopolítico foi posto em causa. Porém, mais importante do que as ideias e fundamentos de alguns que lideram determinadas Nações, urge convocar os povos para a fraternidade, lembrando que todos provimos da mesma natureza e todos temos as mesmas necessidades, devendo por essa via combater o ódio e a segregação. Em última análise, o erro que fez capitular muitos países que tentaram caminhar para o espaço democrático encontra-se na incapacidade dos povos em separar o trigo do joio. Essa fatalidade deriva em muitos casos da desinformação produzida, da falta de literacia e também do culto exacerbado de nacionalismos que fecham os povos numa bolha explosiva de egocentrismo e cegueira.

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