Os falcões

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

A democracia portuguesa parece uma falcoaria, onde a agressividade ganhou lugar de relevo, com falcões atentos às situações para darem uma bicada fatal nas suas presas. É na interacção político-partidária que isso acontece amiudadas vezes, com o especial contributo de alguma comunicação social que é exímia em intoxicar a opinião pública para julgamentos precoces. Não interessa se isso destrói as pessoas, moral e profissionalmente, importando apenas o furo jornalístico e, depois, triturá-las quanto mais melhor. Se existem casos em que, pela sua gravidade, se justificam denúncias públicas – e têm sido bastantes – outros há, porém, que não se revestem da mínima importância.

Factos sem interesse são transformados em grandes escândalos nacionais, pede-se o rolar de cabeças, a atenção dos cidadãos é desviada para estas ocorrências e ignora-se aquilo que verdadeiramente interessa, que são os grandes problemas da sociedade portuguesa, sobretudo nas suas vertentes social e económica, e o modo de os solucionar. Todo este ambiente de suspeições é, como não poderia deixar de ser, explorado a preceito por uma república de comentadores cada vez maior, que dá para todos os gostos.

Nunca fui socialista, nem creio que venha a alterar o meu pensamento político, porque está sedimentada em mim uma forma diferente de encarar a sociedade. Mas também não sou fundamentalista e aceito com naturalidade todas as formações políticas, embora lhes possa tecer críticas sempre que entenda possuir razões para o efeito. 

Passadas que estão as comissões de inquérito na Assembleia da República (AR), o grande problema gira agora em torno do Primeiro-Ministro (PM), Dr. António Costa, acusado pelas oposições, pela república de comentadores e por uma comunicação social ávida de casos, de ter omitido na sua agenda pública uma escala técnica, em Budapeste, na sua viagem para Chisinau, capital da Moldova, onde foi participar na II Cimeira da Comunidade Política Europeia. O motivo posteriormente invocado pelo Sr. Presidente da República, perante uma pergunta da imprensa, foi o de o PM o ter informado de que iria assistir a um jogo de futebol e dar um abraço ao treinador português, Mourinho. Dias depois, o próprio PM explicou que acedera a um convite da UEFA. 

Pela forma como a notícia veio a público, passadas cerca de duas semanas sobre a ocorrência, até parece que o PM, durante a viagem para Chisinau, teve um capricho e ordenou ao piloto para mudar de rumo e aterrar em Budapeste, originando, na opinião dos críticos, despesas ao erário público, como veio a ser fortemente censurado. Mas o grande pecado mortal a merecer a bicada de falcões mais agressivos e de alguns partidos, foi o de ter ficado sentado, durante o jogo, ao lado do PM da Hungria, Dr. Viktor Órban, como se este fosse um fora de lei ou tivesse sarna! Vejam à baixeza a que se desce!

A líder do Bloco de Esquerda não deixou de vincar o seu horror pelo facto, e, ainda, por o PM ter gasto dinheiro do erário público com este desvio. É lícito que questione esta dirigente partidária se o PM da Hungria será um assaltante de bancos ou se estará infectado com qualquer doença infectocontagiosa, por forma a que o PM de Portugal não pudesse estar sentado a seu lado e o receio de trazer os vírus para o país.

Será por Viktor Órban ser líder da direita política e PM do seu país, sufragado pelo pela maioria dos eleitores húngaros? Será, porventura, a líder do BE, portadora de algum selo especial de garantia moral e política que a coloque num patamar superior em relação a outros líderes e seja um exemplo a seguir? Não é, esta deputada, a líder de um partido extremista, e bem extremista, de esquerda? E, sendo “mulher, lésbica e de esquerda” – as palavras são suas e passaram nas TV´s -,   algum dia os seus colegas deputados da AR evitaram ou criticaram alguém que se tenha sentado ao seu lado? É que também poderiam alegar não se misturarem com a representante do extremismo da esquerda do nosso país. Esta manifestação de moralismo bacoco e demagógico só mesmo vinda da área política donde procede!

O facto de estes dois PM serem politicamente opostos não impede nem pode impedir que interajam e trabalhem para gerar entendimentos no âmbito político, tanto mais que ambos fazem parte da União Europeia. E este encontro informal, a pretexto de um jogo de futebol, acredito que tenha servido para gerar algumas posições comuns no mundo intrincado da alta política europeia e nas dos dois países. Não o sabemos, mas também não temos de o saber.

Não me parece, assim, que o Dr. António Costa tenha cometido algum pecado mortal e ofendido a sensibilidade seráfica da líder do BE, assim como a de outros opositores que se julgam impolutos, pelo que, neste caso concreto, aceito perfeitamente que agiu dentro das suas competências de PM. Não o censuro e, embora já o tenha criticado noutras situações, nesta estou solidário com a sua pessoa. As posições de outros partidos e comentadores não me incomodam, porque só lhes interessa o desgaste pessoal e político.

Seria bom para os portugueses que os falcões se preocupassem com coisas sérias e não se perdessem com minudências que nada interessam para o desenvolvimento do país nem para a felicidade dos cidadãos. Procurem e encontrarão outros problemas a merecerem urgência na busca de soluções, nas quais podem aplicar o seu potencial. 

Só faltava agora, para cúmulo, que se promovesse mais uma comissão de inquérito na AR, como já se falou, para esclarecer este caso, visando apenas desacreditar o PM. Este país parece, mesmo, uma falcoaria, porque exceptuando o Reino Unido, a Itália e pouco mais, os partidos na oposição só se preocupam em flagelar os governos até que caiam.

O autor não acompanha o novo acordo ortográfico

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