As sociedades ocidentais estão a envelhecer. Os progressos médicos e o aumento da qualidade de vida faz com que as pessoas vivam mais tempo. Mas a sociedade mudou, e o conceito de família foi-se desagregando. Se há 60 anos ainda era normal ver os filhos cuidarem dos pais, com quem viviam, hoje em dia, essa realidade alterou-se. Não há tempo, nem disponibilidade por parte dos filhos. Os valores alteraram-se, não há espaço na vida dos filhos para cuidar dos seus “velhos”. As exigências competitivas da atual sociedade conjugado com um egoísmo cada vez maior, faz com que os “velhos” sejam polidamente afastados do quotidiano dos filhos.
Mas não foram só os filhos que mudaram, a sociedade também mudou o seu olhar sobre estes “velhos”. Numa sociedade de produtividade e de performance, os “velhos” foram postos de parte. Já não produzem e, antes pelo contrário, constituem um encargo para a sociedade que lhes paga as reformas.
Deixamos de ter empatia por estes “velhos”, que são, assim, deixados à sua sorte. Entregues a lares ou a filhos que não sabem, nem tem disponibilidade, para cuidar dos mesmos. Grande parte dos “velhos” vivem os seus últimos anos de vida num sentimento de abandono e de maus tratos.
Nestes últimos tempos, várias noticias deram conta de filhos que maltratavam os pais, tendo um deles deixado a sua mãe, com 93 anos, acamada, morrer de fome e de sede. Muitas camas de hospitais estão ocupadas com “velhos” que ninguém reclama, porque não os querem, e assim permanecem por meses, sós e abandonados.
E com a pandemia que nos atingiu, tomamos consciência das situações graves em que os nossos “velhos” se encontravam nos lares, os quais se revelaram ser, para muito deles, a sua sepultura.
A nossa sociedade não estava e ainda não está preparada para lidar com tantos “velhos”. E, no entanto, eles estão cá e não podemos esquecer que, se todos nós estamos cá, é porque eles estiveram antes de nós. E uns melhores e outros piores, cada um deles tentou cuidar de nós dentro do que podia e sabia. Um dia seremos nós os “velhos” e mais depressa do que achamos.
A sociedade não sente em relação aos “velhos” a mesma empatia que sente em relação a uma criança ou a um animal, entendendo que estes últimos são merecedores de uma maior proteção e cuidado.
Mas a verdade é que são muitas vezes tão indefesas quanto eles. O envelhecimento fez-lhes perder a capacidade física de se defender e até de comunicar, em alguns casos, o que faz deles, também, vítimas silenciosas.
A noticia da existência de canis ilegais e de animais maus tratados foi capaz de gerar uma onda de indignação legítima e um movimento popular de resgate. Quase ao mesmo tempo, a noticia da existência de 35 mil idosos a viver em 3.500 lares ilegais, onde não há planos de contingência para a covid-19 nem equipamentos adequados, passou numa indiferença generalizada, pese embora conscientes de que a falta de plano provocou e irá provocar mais mortes nos “velhos” mortes, essas, solitárias, fruto das circunstâncias atuais.
Ghandi disse “a grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que seus animais são tratados”. Talvez, hoje, a grandeza de uma nação também deva ser julgada pelo modo como trata os seus “velhos”.
A. Novo