Os vianenses e o mar

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Sucede, por vezes, que o que se conhece da vida de alguns dos cidadãos resulta das petições efetuadas à Coroa, no sentido de obtenção de alguma pensão ou cargo, como retribuição pelos serviços ou pela incapacidade ou morte resultantes dos serviços que haviam sido prestados ao Estado. Na quase totalidade dos casos eram os interessados, ou os seus descendentes, que face à penúria em que viviam requeriam tais benesses, sendo que os requerimentos eram acompanhados por atestados dos atos praticados que consideravam merecedores da benevolência régia. Os despachos régios desses requerimentos, quando os havia favoráveis ao pretendido, eram publicados com bastante atraso e após referência às funções e atos merecedores de apreço estabeleciam qual a benesse ou benesses concedidas.

A consulta efetuada no vol. 28 dos Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro permite conhecer uma provisão régia datada de 3 de setembro de 1681, da qual se pode extrair parte da vida de um vianense, na circunstância, Manuel Paulo, filho de Domingos Paulo, que se iniciara os seus serviços à Coroa em 1658.

Pese embora a indicação de que terá iniciado o serviço em 1658 o facto de ser referido que terá estado no cerco de Badajoz remete o início do serviço para o ano de 1657, já que tal cerco decorreu entre junho e outubro de 1657. Refere ainda a provisão que ele terá participado igualmente no cerco de Elvas, este ocorrido entre outubro e dezembro de 1658 o qual veio a terminar na sequência da batalha ocorrida em 14 de janeiro de 1659. Possivelmente por ter estado ligado ao mar passou ao serviço da Armada Real onde se manteve até 1681 tendo embarcado por 15 vezes, desempenhando os cargos de guardião (responsável pelo arranjo do navio, manobras no convés e no aparelho e todo o serviço da amarra), de contramestre e de mestre das fragatas da Armada, cargos esses que terá desempenhado com muita satisfação.Ainda ao serviço da Armada desempenhou igualmente o cargo de Patrão Mor (responsável pelo estado de aprontamento dos navios) da Ribeira das Naus, em Lisboa, bem como várias vezes na Ribeira da Telha (igualmente um estaleiro naval dos navios da Coroa situado frente a Palhais, no Barreiro, estaleiro esse que pelas condições de segurança era utilizado para completar o aprontamento dos navios da Coroa, construídos quer em Lisboa, quer noutros locais).

Em 1680 embarcou como mestre da fragata (noutros documentos o navio surge também indicado como sendo galeão ou nau) S. Francisco de Borja tendo participado no combate, ocorrido no Tejo em setembro, com a fragata francesa Entrepenant, no qual segundo o texto da provisão se comportou “como devia “e onde ficou sem uma perna, levada por uma bala de artilharia.

Face ao que o Príncipe Regente, em despacho datado de 3 de setembro de 1681, estabelecia que “em satisfação de tudo e por Pedro Carvalho, proprietário do ofício de Patrão Mor da Baía, achar pela sua idade, e achaques, impedido para o servir. Hei por bem de fazer mercê ao dito Manuel Paulo (além de outras que pelos mesmos respeitos lhe fiz) da serventia do mesmo ofício enquanto durar o impedimento do dito proprietário, com a obrigação de lhe dar 50000 reis cada ano, com o qual ofício de Patrão Mor da Baía haverá o dito Manuel Paulo o ordenado que lhe tocar e tiveram os seus antecessores…”

Manuel Paulo tomou posse do cargo, na Baía, em 1 de julho de 1682, ali se mantendo até junho de 1697, data em que obteve licença para passar ao Reino, por 2 anos, para se tratar, licença essa que foi renovada pelo período de um ano em 1699, podendo ele nomear quem o substituísse durante os períodos de ausência. 

Nada mais foi possível apurar sobre a vida deste vianense.

Nota: O combate com a fragata francesa, que entrara no Tejo com a missão de efetuar o pedido de casamento da infanta com o duque de Saboia, ficou a dever-se ao facto dos navios portugueses que garantiam a escolta não terem cumprimentado, em primeiro lugar, a fragata francesa que, por isso, abriu fogo sobre os portugueses que colocando -se em cada bordo do navio francês ripostaram ao fogo. O combate cessou por abandono dos portugueses que ficaram bastante maltratados. O comandante do navio francês face ao sucedido resolveu dar meia volta não chegando a cumprir a missão lhe fora destinada.

 

Carlos Gomes

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