De um modo geral está imanente nas pessoas um desejo, mais ou menos manifesto, de se insinuarem perante os outros, não, infelizmente, pelas suas capacidades e qualidades geniais, que essas escasseiam, mas, sobretudo, para mostrarem uma aparência que não lhes corresponde, na medida em que é desprovida de substrato por ser cheia de nada ou simplesmente oca. O ser humano é mesmo assim e não há volta a dar, seja onde e em que circunstâncias for. Ainda que para essa afirmação possa concorrer, nalguns casos, uma natural vontade de alcançar consideração pessoal, creio que o que está em causa é, geralmente, esconder aquilo em que se é deficitário, mostrando-se o que não se é.
Como observador, apercebo-me de algumas situações que revelam esse deficit de humildade e de verdade. Por exemplo, se olharmos com atenção para a farda de gala de alguns comandantes do bombeiros, verificamos que as charlateiras que trazem nos ombros apresentam um desenho e uma decoração praticamente iguais às que os oficiais superiores dos exércitos de Hitler usavam nos seus uniformes, o que não deixa de ser chocante. E ainda outros comandantes que usam estrelas em cada ombro do dólmen, como que querendo igualar-se aos generais das Forças Armadas. Não encontro explicação para a adopção deste tipo de simbolologias, havendo, naturalmente, outras diferenciações igualmente dignas, ainda que possam ser mais modestas e menos vistosas. As que mencionei parecem-me simplesmente ridículas e não conferem qualquer mais-valia, importância social ou afirmação perante os cidadãos, por parte de quem as usa; pelo contrário, dão azo a comentários escusados, na justa medida em que são interpretadas como uma manifestação de vaidade e uma ousadia desnecessária.
Uma outra situação diz respeito ao mal-estar acentuado entre as magistraturas e o governo, motivado pelo facto de haver uma certa categoria de juízes que se acha no direito de ter um vencimento superior ao do Primeiro-Ministro. Considerando o vencimento do chefe do Governo, digo, francamente, que, face à sua enorme responsabilidade política na condução dos destinos do país e à sua permanente disponibilidade, deveria auferir pelo menos o dobro do que recebe actualmente, e não seria excessivo. Quanto aos juízes, e se tivermos em conta, igualmente, a sua responsabilidade, aceito que deveriam ver o seu vencimento melhorado, mas nunca superior ao do Primeiro-Ministro, que deveria servir como um referencial indexante. Talvez um valor na ordem dos 95% para os juízes conselheiros, já que, como é sabido, existem outros extras que se somam ao vencimento-base e o melhoram substancialmente. É evidente que o Presidente da República deveria auferir, também, pelo menos o dobro do que recebe, e, em circunstância alguma, haver sob o chapéu do Estado vencimentos superiores ao seu, para vivermos num país com ética organizacional e hierárquica. Exigências para se ultrapassarem estes valores parecem-me descabidas e demasiado ousadas, considerando os problemas que o país enfrenta.
Os professores e os enfermeiros mantêm-se em guerra aberta com o Governo, e julgo que parte deste desentendimento terá a ver com a violenta agressividade verbal, e mesmo ordinarice de linguagem de alguns dirigentes sindicais, nalguns casos, que se assumiram como governantes dos seus associados, ou seja, donos da quinta. Cabe aqui, igualmente, o presidente da liga dos bombeiros com a sua violenta verborreia contra o governo. A radicalização só aumenta os problemas, pelo que seria saudável que as classes em causa pensassem em eleger rapidamente outros dirigentes mais bem preparados para o diálogo e a negociação, e não tanto esticar a corda até romper, se realmente anseiam ver os seus problemas resolvidos. A forma como os actuais sindicalistas interagem com o Governo e a imagem deplorável de arrogância que semeiam publicamente não me parece que conduzam às soluções desejadas, mas antes condicionam cada vez mais uma relação já de si extremada. Nestas questões delicadas a ousadia do afrontamento e da arrogância não são sinónimo de coragem, mas antes da degradação de valores culturais e educacionais já de si deficitários. E as consequências estão à vista de todos!
Para finalizar, uma outra situação que diz respeito ao facto de algumas organizações terem ficado “em choque” pelo facto de alguns estabelecimentos de ensino público terem encerrado o 2º trimestre com uma missa de Páscoa. Esses ateus não passam de um pesadelo, que um dia terão também de prestar contas ao Criador. Já cheira mal ter de ouvir e ler todos os dias a sua oposição à religião católica e de quererem impor procedimentos que vão contra os usos e costumes que tornaram este país independente e enformaram a nossa sociedade com valores indestrutíveis, por mais que se esforcem para os eliminar. Nestas, como noutras questões, só há que respeitar. Se as missas foram celebradas, só nelas participou quem quis, por sua livre vontade. Se tivessem sido cerimónias de muçulmanos ou judeus, seria da mesma forma. A liberdade religiosa é um bem que tem de ser respeitado, assim como também a autonomia das escolas.
Entendo que a ousadia deve fazer parte de nós, mas acompanhada da ética dos princípios e valores. Assim, a vida terá outro sentido.
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