Enganei-me redondamente quando, há uns dias, deixei aqui escrito sobre a minha vontade de não haver guerra na Ucrânia, e de acreditar que tudo não passaria de um “bluff” russo. Infelizmente, estava completamente errado. Tudo porque, simplesmente, não achava possível que a invasão que está a acontecer pudesse ocorrer em plena Europa nos nossos tempos. Após os infelizes acontecimentos dos últimos dias, há agora lugar a uma pequena reflexão sobre a situação mundial. Começo pelos Estados Unidos da América. Os USA nunca tiveram qualquer reserva em invadir países terceiros, sempre que isso lhes pudesse trazer vantagens, invariavelmente escudados em argumentos como “direitos humanos, liberdade e democracia”. Mau grado o importante e decisivo apoio que prestaram à Europa no desfecho da segunda grande guerra, a partir daí tem sido um verdadeiro abuso.
Assistimos a invasões militares descaradas como na Coreia, Vietnam, Iraque e Afeganistão, ou mascaradas como no Chile e outros países Latino Americanos onde a ingerência é constante, ou ainda a posição inaceitável de apoiar a prolongada e violenta agressão de Israel à Palestina. Têm sido os mentores de grande destruição e de centenas de milhar de mortos e de refugiados, à custa da denominada “civilização ocidental”. A geografia concedeu-lhes o privilégio de estarem sempre longe desses territórios que invadem e ocupam, facto que faz com que a sua população seja preservada dos efeitos diretos ou colaterais.
Vamos agora à Rússia. O imperialismo russo tentou sempre manter o controlo sobre os países vizinhos membros da ex-União Soviética, como modo de preservar as suas fronteiras e manter a influência política regional. Sabemos bem que a Rússia nunca aceitou bem esse desmembramento do império. Assim sendo, sempre que qualquer desses países tem a ousadia de querer ser “verdadeiramente independente”, lá está a Rússia para o por na ordem.
É o caso atual da Ucrânia, que está a ficar privada de algumas regiões, ou até de todo o seu território, por ousar tomar decisões legítimas a qualquer país independente.
Não tenho especial simpatia pelo regime ucraniano. Além de apoiar elementos da extrema-direita, e até nazis, considero uma imprudência, apesar de tudo, desejar integrar a NATO, numa atitude ostensiva de provocação à Rússia, ainda para mais estando essa impossibilidade consignada nos acordos de Minsk. Mas isso não lhe retira o direito de tomar decisões soberanas próprias de um país independente, dentro de um quadro de respeito internacional e de bom senso.
A União Europeia vem à pressa tentar resolver questões que ignorou durante vários anos, como é seu costume. O fechar de olhos à enorme lavagem de dinheiro sujo da Rússia fez da UE, durante muito tempo, um espectador complacente. Uma verdadeira defesa da Ucrânia teria passado pela sua integração na União, cumprindo o processo legal, contribuindo antes de mais para uma melhoria da qualidade da democracia ucraniana, que deixa ainda muito a desejar.
O ocidente vai agora tentar vencer a Rússia através de duras sanções, e a Europa, que neste caso até apostou nos valores da diplomacia, vai sofrer duros efeitos colaterais, especialmente económicos.
A China, essa terceira potência imperial, está ali no seu miradouro a observar, e a tentar perceber como poderá também tirar dividendos de todo este complexo jogo. Entretanto, estamos todos em frente às televisões, a assistir à literal destruição de um país, sem nada podermos fazer para o evitar. O meu pensamento vai para o massacrado povo ucraniano, a sofrer uma terrível ocupação ilegal e completamente exposto às decisões arbitrárias e violentas de um sanguinário ditador imperialista, Putin, que não hesita em envenenar adversários políticos ou em prender os opositores que possam fazer-lhe frente num futuro processo eleitoral.
“Vivemos em tempos interessantes”, como refere uma maldição chinesa quando perante uma situação catastrófica. Neste caso com o nuclear à espreita.
José Carlos Barbosa