“Plantas de tudo o que contém a Mizericordia”

Joao Botelho
Joao Botelho

 A Santa Casa da Misericórdia foi instituída em Viana em 1521 e logo começou a ganhar importância, de tal forma que, em 1589 foi construído o magnífico edifício renascentista que ainda hoje podemos ver na praça da República, contrastando com o pesado edifício gótico que albergava os Paços do Concelho. Ao lado deste edifício que todos reconhecemos pela leveza da arquitectura proporcionada pelas varandas ricamente decoradas, foi construída uma pequena igreja. Em 1716 esta igreja estava em ruínas e a irmandade resolveu mandar construir uma nova. Para isso pediu ao arquitecto Manuel Pinto Vila Lobos o desenho de um novo templo, de maiores dimensões e decoração mais rica, que é a maravilhosa igreja que vemos hoje.

Em 1776, a Mesa Administrativa, mandou fazer um livro a Gonçalo Luís da Silva Brandão que reproduzisse a dignidade do conjunto edificado, que intitulou de “Plantas de tudo o que contém a Mizericordia da Villa de Vianna Tanto pello que pertence ao seu Plano como ao seu Prospecto e Elevação”.

O livro destinava-se a ser enviado ao rei, para mostrar a importância da instituição na cidade. Mais tarde, foram mandadas fazer mais seis cópias para, segundo Clotilde Amaral, a directora do Arquivo Distrital de Viana do Castelo, “repartir pelo Reino e suas conquistas, pois como em todas estas partes se achavão inumeráveis filhos desta terra a estes e a muitos outros à sua imitação e exemplo, poderia mover e inclinar a Divina Providencia para o exercitarem com esta Santa Casa e seu Hospital suas esmolas e caridades pelos tempos vindouros”. O livro servia para publicitar a importância da Misericórdia e incentivar a oferta de esmolas aos vianenses espalhados pelo mundo, que possibilitavam o cumprimento das Obras de Misericórdia entre os mais necessitados.

Este álbum de desenhos é composto por plantas de localização da igreja na vila e do interior (igreja, hospital e dependências), pelo desenho das duas fachadas (das actuais Rua da Bandeira e Passeio das Mordomas) e por vistas do interior. 

A primeira planta abrange todo o Campo do Forno e na legenda dos espaços representados tiramos muitas informações sobre esta praça, por exemplo que os baixos dos Paços Concelho era o “Vão da Caza da Camara onde as Padeiras fazem sua Praça e vendem seu Pão” e o lageado que lhe era fronteiro era “onde se fazem Arremataçoens e elleiçoens”. No edifício funcionava também a “Cadea ou inxovias das prezas”. Ficamos também a conhecer o traçado original dos “Muros em toda a Villa”, ou seja, a muralha e que o Campo do Forno era “onde se mete a Parada e se dão as ordens militares”. 

Mas o livro foi feito para dar a conhecer a Santa Casa no seu todo, tal como nas obras de Misericórdia, pretendia cuidar do espiritual (igreja) e do corporal (hospital). Assim, aqui entendemos a ligação entre as partes administrativa (edifício das varandas), religiosa (igreja) e de assistência (hospital),

O livro mostra a Santa Casa como um grande complexo e nele podemos ver a localização das diversas dependências. No piso térreo, a ligação à rua, com as “Logeas [lojas] de recolher lenha e mais misteres”, a “Caza onde se punham as carnes e galinheiro”, que alimentavam os doentes, ou a “Caza da botica”, a farmácia.

Nas segundas e terceira plantas é o hospital propriamente dito que se desenvolve, com a administração, as enfermarias (para homens e mulheres), as cozinhas e fontes de “Água nativa” e as “Nessessárias”, ou seja, as latrinas.  

Por serem as zonas mais ricas, a igreja, a sacristia e o claustro interior, onde existia o cemitério, mereceram um desenho em perspectiva com grande interesse iconográfico.

Entre as legendas com descrições, surge uma mais curiosa que mostra a relação do edifício com a cidade, a propósito das janelas do último piso: “Janelas q das duas enfermarias votão pª a rua de Sta Anna de onde se vê o mar, Barra e suas embarcaçoens e a maior p.te da Villa”.

Percorrer as páginas deste álbum ajuda-nos a perceber a importância da Misericórdia na Viana ao longo dos séculos, como uma verdadeira instituição de assistência social – que serviu Viana até à conclusão do actual Hospital de Santa Luzia, em 1984.

O livro, que está guardado no Arquivo Distrital, foi objecto de uma reedição em 2006, e está disponível na net, em “https://digitarq.advct.arquivos.pt/details?id=1072192&fbclid=IwAR2MmFnctS1cWcD4P0cUn2nsnSTk07pOiEocIoxG2R009X7–lbT6VvPR2I ”

O autor não segue o novo acordo ortográfico

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