Ao ter conhecimento que o Conselho de Estado foi interrompido, porque um dos seus membros teve de se ausentar para assistir a um jogo de futebol, lembrei-me o incidente ocorrido em Atenas, na antiquíssima Grécia. Estava Demóstenes a desertar do ambão, expondo os importantes negócios da cidade, quando lhe chega aos ouvidos sussurros e zunzuns abafados. Alonga os olhos estupefacto e verifica, surpreso, que o ilustríssimo auditório, constituído por: políticos, anciões e povo, estavam abstratos. – Uns, dormitavam; outros, cochichavam; e ainda outros, bocejavam, escancarando a boca como púcaros destapados. Então Demóstenes, estende o braço, espalma a mão direita e, sereno, declara: – Vou interromper, para contar curta história… O estadista empertiga-se: Ateniense necessita de negociar na cidade vizinha. Ajusta, com alquilador, preço, e aluga burrito.
Pelo ardor da tarde, o calor era abrasador. O rosto tisnado do comerciante reluzia de suor. A canícula era insuportável. Sufocado, o homem apeia-se e saboreia a sombra acolhedora do jerico. O alquilador, que o acompanhava, energicamente, repostou: – Eu aluguei-lhe o burro, mas não sua sombra… Se goza o sombreado, terá que negociar… atónico, o negociante, retruca iracundo: – Ora essa! Quem aluga o burro, aluga também sua sombra! Estavam na absurda altercação, quando… Demóstenes aparta-se do púlpito; compõe a prega da túnica; desce, paulatino, o palanque; simula ausentar-se, como aparenta maestro, concluída a sinfonia.
A multidão curiosa cresce e em uníssono, reclama, gesticula, delira: – Queremos saber o fim da história!… Morosamente, o estadista, galga o estreito estrado; acerca-se do ambão e de semblante sombrio, diz: – Ao expor os interesses de Atenas, estavam enfastiados; agora, que conto a história dum asno, acordais!…interessa-vos mais as aventuras de um jumento que o destino da Pátria!…
Muitas vezes, povo e alguns políticos, animam-se mais com questões de lana-caprina, do que assuntos importantes para a nação e benefícios para – trabalhadores, reformados e, ainda, para os infelizes que não auferem qualquer rendimento.