Prédio “Coutinho”: o fruto amargo da inveja (II)

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manuel ribeiro

A inveja é o erro mais comum de qualquer sociedade humana. Oscar Wilde (século XIX) teve estas palavras lapidares: “Todo o mundo sabe compadecer-se do sofrimento de um amigo, mas é preciso ter uma alma realmente linda para se apreciar o sucesso de um amigo“. Se isto acontece entre amigos, é fácil concluir o que se passa entre indiferentes. Se querem provas, dêem uma olhada pelas redes sociais do caso “Prédio Coutinho”. Os comentários (anónimos, sublinhe-se) são mais que reveladores dessa maldita inveja.

Mas se o caso “Prédio Coutinho” foi trazido à praça pública pela esquerda, também a direita (no caso concreto, pelo Dr. Branco Morais) quis meter bedelho no assunto (corriam os primeiros anos da década de 90) e veio propor a demolição de metade do prédio, já mais que pronto e totalmente habitado. Só que o Dr. Branco Morais não teria arranjado dinheiro nem da União Europeia e muito menos em Portugal, cujas finanças eram governadas pelo “esmifra” do Prof Cavaco e Silva, que poupou o máximo que pôde para termos as condições financeiras e económicas exigidas para fazer parte da Moeda Única (1992, Tratado de Maastricht).

E veio Guterres (em 1995) e, com ele, um engenheiro (ou falso engenheiro) que abraçou a pasta do ambiente e do urbanismo.

Ora José Sócrates, um hiperativo no fazer (e, como é normal neste tipo de pessoas, com um pensamento excessivamente veloz e muito pouco ponderado), tinha de mostrar “obra”, que mais não fosse para ilustrar o seu currículo político e pessoal. E depois chegou a Primeiro-Ministro e foi o que foi, e está provadíssimo pelo menos no aspecto político: um gastador compulsivo!
As várias sociedades polis foram criadas por quase todo o país.

Desde logo enfermavam de um princípio manhoso: sendo de tipo privado, ou regendo-se pela mesma filosofia, permitia a fuga a vários controles do Estado. A sociedade Polis de Viana do Castelo tem receitas de duas fontes: 60% do Estado Central e 40% da Autarquia. Ou seja, dinheiro de quem paga impostos. Um outro erro de nascença é que o âmbito geográfico deste programa era reduzido aos centros das cidades. Sofria, portanto, de uma forte carga discriminatória: o umbigo e a barriga à volta preparavam-se para a engorda. O resto da cidade e, sobretudo, as aldeias suburbanas e rurais não valiam nada, apesar das suas carências estruturais. Mesmo assim, a Câmara Municipal, liderada pelo Dr. Defensor de Moura, aproveitou a oferta da capital e do capital… que, de resto, todo o povo vianense (e não só) tem pago e mais há de pagar! A expropriação do prédio “Coutinho” foi decidida pela Assembleia Municipal e, pelos vistos, no campo legal tudo certo, têm dito os Tribunais, desde há 20 anos! Há que cumprir!

No entanto, no campo da legitimidade e da moral (ou ética republicana, para citar o Dr. António Costa, atual Primeiro-Ministro), essas sociedades polis têm muito que se lhes diga, ao desrespeitar grosseiramente, e na minha opinião, os artigos 62º (direito de propriedade privada) e 65º (o direito individual e familiar à habitação e sobre o urbanismo) da Constituição da República Portuguesa. O artigo 65º é claríssimo ao garantir que “ Todos têm direito para si e sua família, a uma habitação …” e a lei primeira da República vai ao ponto de descrever as condições dessa habitação “uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Mas não se fica por aqui a Lei Constitucional, pois diz o que o Estado deve fazer para ser alcançado este desiderato, terminando este artigo 65º com um número 5 que consagra, em matéria de urbanismo e definição do ordenamento do território, a garantia da “participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico…”. Ora, os moradores sempre alegaram que as várias notícias sobre a demolição do prédio Coutinho e a modificação do plano de pormenor daquela área habitacional, ao longo de mais de 20 anos, sempre precediam qualquer participação dos “interessados”.

Tudo ao jeito do facto consumado!Mas o consagrado no artigo 62º da Lei Constitucional (o Direito da Propriedade Privada) é importante para a questão do Prédio Coutinho? Na minha opinião, é importantíssimo! Este artigo defende claramente que “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte…” e acrescenta o dito artigo no seu número 2: “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”. Ora aqui é que o falhanço do poder central e da autarquia local é flagrante e medonho (foi criado um precedente perigoso em que o feitiço se pode virar contra o feiticeiro, isto é, uma decisão do Estado ou da Câmara que mande demolir um prédio…por razões estéticas!). Uma coisa é fazer um negócio de compra e venda de uma propriedade sem constrangimentos e, posteriormente, expresso em documentos oficiais, onde são manifestados vários pontos, o mais importante dos quais é o preço. Outra coisa, porém, é negociar com o todo-poderoso Estado, cujos agentes não suportam custos pessoais, designadamente com os elevados custos da justiça.

Ora, neste caso do “Prédio Coutinho”, segundo se queixam os moradores, a baralhada instituição da Sociedade Polis exerceu, com toda a arrogância e o uso e abuso do “jus imperium”, um critério nada liberal nem contratual ao impor um preço que não condiz com os valores de mercado. Por certo que haverá quem venha dizer: “a grande maioria das 300 famílias foi concordando com a sociedade Polis”. É verdade e pelas razões acima referidas, muito especialmente os elevados custos judiciais e uma carrada de aborrecimentos.

Mas lembremo-nos do grande sábio Galileu Galilei (séculos XVI/XVII) quanto à tese de que quem circulava à volta do Sol era a Terra e não o contrário. Como diria o comentador televisivo Dr. Marques Mendes … os idosos resistentes do prédio Coutinho merecem “chapeau”!!!!

(continua)

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