“Quando o telefone toca”

Gonçalo Fagundes Meira
Gonçalo Fagundes Meira

Há anos, lembro-me de ver na televisão uma enorme fila de adeptos de um dos clubes grandes de Lisboa (não me recordo de qual) esperando horas, pacientemente, para eleger os corpos sociais da sua agremiação. Alguns, questionados pelos repórteres sobre idêntico comportamento em eleições para órgãos governamentais, logo se apressaram a dizer que não se dispunham a tal sacrifício para esse fim.

Pode chocar, mas esta é a realidade que temos. Espera-se tempo infinito para eleger gente pouco recomendável, que vai dirigir clubes de futebol cheios de vícios, mas não se pode perder tempo para escolher quem nos governe. Não é por acaso que os abstencionistas vão crescendo em cada eleição da governação do país. Mas também não admira que os melhores da sociedade não queiram ser governantes, já que, mais bem remunerados e livres de enxovalhos, podem exercer funções no privado. Se há políticos a portarem-se mal e por isso sujeitos a críticas, esta prática de destratar quem nos governa só facilita os inimigos da democracia.

Ora é com esta cultura instalada que temos que contar, sabendo o que devemos fazer em muitas situações onde o populismo impõe regras em prejuízo dos valores e da verdade. As televisões, por razões puramente comerciais, promovem todo o tipo de concursos e convidam os espectadores a telefonar para escolherem o que se entende como melhor.

Assim aconteceu recentemente com a iniciativa “Sete Maravilhas da Cultura Popular”, à qual concorreu a Romaria d’Agonia, opção que, perante a realidade que expus, nunca devia ter sido tomada. Que verdade nos oferece um concurso em que os espectadores fazem valer bairrismos em detrimento da valia dos motivos em concurso?

Já sabemos que quando se quer vestir a camisola do bairro todos os argumentos são bons para mobilizar gente a votar no tema da terrinha, independentemente do interesse que o mesmo tenha. Organizam-se movimentos, estimulam-se brios, fala-se ao coração e toda a população vota, se fizer falta até o cão, o gato e o periquito. Desta forma, nestas maravilhas em que nos metemos, ou meteram a mais afamada romaria de Portugal, sai como vencedora distrital a Romaria de São Bartolomeu da Ponte da Barca, que bem conheço e considero uma romaria como tantas outras do Alto Minho. E, desta forma, uma romaria criada em 1772, com um alto nível cultural, que, estima-se, atrai a Viana um milhão de forasteiros – já mobilizava largos milhares no século XIX –, se vê ultrapassada por uma romaria vulgar. Mal, muito mal, é dar crédito a este tipo de iniciativas. A grandeza da nossa Romaria não é compatível com estes concursos de pacotilha para fazer o jogo dos canais televisivos.

[email protected]

Outras Opiniões

Os leitores são a força e a vida do nosso jornal Assine A Aurora do Lima

O contributo da A Aurora do Lima para a vida democrática e cívica da região reside na força da relação com os seus leitores.

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.