Que Paz desejamos?

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José Veiga Torres

Paz? – Porque a vida humana é, toda ela, a todos os níveis em que a observemos, vivida em conflito. A imagem que, geralmente, fazemos da Paz, advém-nos dos grandes conflitos em que os humanos se enredam. Infelizmente, os tratados de paz vêm representando, apenas, intervalos de tempo entre novas guerras. Com alguma razão dizia um experimentado político: «quando se é fraco não se cria a paz».

Somos muito sensíveis aos incompreensíveis conflitos armados, onde se destroçam incontáveis vidas inocentes, e onde se destroem, irresponsável e instantaneamente, os frutos de séculos do trabalho, da arte e da sabedoria de múltiplas e esforçadas gerações. Somos, e devemos ser, muito sensíveis aos conflitos que advêm das desigualdades sociais, provocadas pela exploração de uns, sob a ambição de outros. Somos, com razão, muito sensíveis à tirania dos ditadores, à crueldade dos sanguinários torturadores, aos aniquiladores da opinião e da informação livre. Sofremos com a visão de milhões de seres humanos vivendo miseravelmente, nos subúrbios das cidades, sem trabalho, sem habitação condigna e, tantas vezes, sem alimentação e sem assistência sanitária suficiente, escandalosamente expostos à indiferença ou à pouca generosidade dos outros cidadãos, como sequência ou como génese de conflito social interminável.

Parece-nos incompreensível que os autores dos mais terríveis e abomináveis conflitos da História, tenham sido os povos e as nações considerados, civilizacionalmente, os mais avançados. Quando a ciência e a tecnologia são postas ao serviço do conflito, para o criar, intencionalmente, ou para o superar, comprova-se que não é pela inteligência, pela ciência, ou pela tecnologia, nem pela sua engenhosa habilidade, que a espécie humana se valoriza e se dignifica. As vicissitudes da História humana mostram-nos que o desenvolvimento das ciências e das técnicas, com demasiada frequência, têm servido para destruir o que de melhor as mesmas ciências, técnicas e engenho são capazes de produzir. Muitos dos grandes desenvolvimentos científicos e tecnológicos têm sido obtidos, precisamente, para alimentar conflitos. A mesma História mostra-nos que depois dos grandes conflitos, ante os destroços, se procuram estabelecer acordos de Paz e se fazem solenes Tratados de Paz, que se desejam e se juram perpétuos, mas que prenunciam futuros novos conflitos, porque nesses Tratados permanece sempre o elemento fundamental criador de conflito, o desejo de superioridade e de domínio de uns sobre outros, e a tácita esperança da vindicta .  Assim tem sido entre os povos e nações considerados de mais avançada civilização. Um princípio de competição e de concorrência desenfreada torna-se princípio de destruição, não só da espécie, como da própria Casa Comum, que é o nosso planeta.  O que é menos compreensível nesta História é que esses povos e nações têm sido, sobretudo, povos e nações cristianizados, quando o projeto cristão pretende outro tipo de relação entre os humanos.

A tentação do conflito é de tal frequência que se julga “natural”, como algo,  inevitavelmente, inerente à própria natureza da espécie humana, pelo que não se diferenciaria da natureza de qualquer outro animal, por inevitável sujeição ao princípio da sobrevivência e da superioridade a qualquer preço. Ora a ambição de Paz demonstra-nos que não é assim. O ser humano, mesmo quando faz guerra, quando cria conflito não fica de bem consigo, porque é da particular e singular natureza humana conduzir-se de outro modo, superando a sua natural e desejável diferença, não pelo conflito, mas pela cooperação. Por essa razão o sentido que, geralmente, atribuímos à palavra Paz é algo negativo, não elimina o que é o fundamento do conflito. Seria preferível podermos utilizar a expressão Concórdia (coração com coração), que exprime e exige dos humanos a sintonia das relações, que respeitando as diferenças e as debilidades, não as aproveita como oportunidade de domínio, mas como oportunidade de maior realização mútua.

A Paz tem de começar no interior de cada um de nós, e, a partir de cada um, traduzir-se na concórdia familiar, e, a partir desta, traduzir-se na concórdia das comunidades em que nos inserimos, na comunidade de vizinhança, na comunidade profissional, na comunidade de cidadania, e na comunidade humana global. O nosso grande problema reside em nós mesmos, que resistimos à aprendizagem mútua da Concórdia, a verdadeira expressão da Paz que desejamos.

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