Reflexões sobre o sistema eleitoral português

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No dia das eleições os eleitores limitam-se a escolher um partido político, confiando no seu programa eleitoral. Se ele o cumpre ou não, só mais tarde se poderá apurar, pois, por vezes, não o cumprem e desculpam-se, em regra, pela má gestão dos que anteriormente estiveram no governo.

Quem escolhe os deputados são as direções dos partidos, que terão, certamente, interesse em escolher, se possível entre os da sua cor política, os mais competentes e com valiosa experiência no mundo do trabalho. Mas há também deputados que nunca passaram pelo mercado do trabalho e a sua experiência é, por assim dizer, nula. Ao analisar-se os currículos de alguns deputados é, por vezes, difícil compreender o motivo da sua escolha para fazerem parte da lista dos possíveis elegíveis.

O comportamento de alguns deputados também não é exemplar: alguns parece que têm o dom da ubiquidade, pois estão presentes ao mesmo tempo em mais do que um lugar, havendo colegas que marcam as sua comparência ilegalmente; outros dão moradas que não correspondem à verdade, pois indicam as que lhes dão mais vantagens em transportes, ajudas de custo, etc.; outros beneficiam do custo de passagens aéreas que não realizaram; enfim, o dinheiro dos contribuintes é assim mal gasto. Felizmente, a Assembleia da República tomou já algumas medidas para corrigir estes abusos.

É elevado o desencanto do cidadão português em relação ao processo politico e aos políticos, evidenciado pelo número de abstenções e votos nulos registados em muitas eleições. Se o partido não ganhar o número de lugares necessários, alguns deputados ficam desempregados, pois não têm emprego para onde voltar. Segundo António Barreto (1), «a prevalência dos partidos sobre o deputado individual ou até sobre o grupo parlamentar atinge em Portugal dimensões praticamente inéditas… contribui para criar nos deputados o espírito de oficial do partido, bem contrário ao espírito de representante do povo».

 

E continua o mesmo autor noutra passagem: «Os deputados individualmente considerados quase não têm direitos, devendo considerar-se quase como simples delegados do partido ou serventes dos líderes .… Este espírito de “oficial do partido” é alimentado evidentemente por várias fontes e por várias maneiras. A começar pelo sistema eleitoral e a acabar nos regimentos que retiram sistematicamente direitos, responsabilidades e funções aos deputados, seguramente um dos fatores singulares mais responsáveis pela marginalidade da Assembleia da República, pela sua automutilação, pela subserviência das maiorias perante os Governos e pela inferior qualidade política e técnica do trabalho legislativo…»

Os deputados são eleitos pelos círculos eleitorais e representam todo o País e não os círculos por onde são eleitos. Os cidadãos portugueses maiores de dezoito anos podem ser eleitos deputados, salvo as restrições estabelecidas na lei, por virtude de incompatibilidades locais ou do exercício de certos cargos. As candidaturas são apresentadas pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, podendo as listas integrar cidadãos não inscritos nos respetivos partidos.

O sistema seguido nas eleições de cada país mostra-nos como são repartidos os lugares dos eleitos. Há três tipos de escrutínios: o maioritário, o proporcional e o misto. No primeiro é considerado eleito o candidato ou a lista que obtém a maioria dos votos; a maioria absoluta corresponde a metade dos votos expressos mais um. Este sistema é aplicado na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América sob a forma de maioria relativa e em França sob a forma de maioria absoluta, sendo suficiente a maioria relativa no caso de insucesso após duas voltas. O escrutínio proporcional consiste em assegurar a representação de várias forças políticas com peso na sociedade, atribuindo-lhes o número de mandatos proporcional ao número de votos, sendo seguido na maioria dos países da União Europeia, à exceção da França e da Grã-Bretanha que seguem o sistema maioritário, e da Alemanha que segue o sistema misto. Em Portugal, a metodologia fixada pelo artigo 149 da Constituição é “o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos”. O escrutínio misto, combina o sistema maioritário e o sistema de representação e é seguido na Alemanha.

Enquanto o sistema maioritário evita a fragmentação partidária e promove governos estáveis saídos de maiorias parlamentares, o sistema proporcional origina maior representação de opiniões e correntes políticas, o que se reflete na fragilidade dos governos. Como observa Maurice Duverger, não existe um sistema eleitoral perfeito, havendo em todos uma ponderação da eleição, quer dizer “dar peso desigual aos sufrágios expressos pelos diferentes eleitores”(2).

(continua)

José M. Teixeira da Cruz

Sociólogo
Referências:
(1) BARRETO, António – A Assembleia da República: Uma Instituição Subalternizada; in “Risco” nº 13
(2) CRUZ, José Maria Teixeira – A Função pública e o Poder Político. As situações da Alemanha, em França, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos da América e em Portugal, pp. 521-524.

 

Foto: Público

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