Relatos de um militar português

Author picture

Em 1961, as Forças Armadas Portuguesas precisavam de sangue fresco para ocupar e defender as colónias de Portugal. Joaquim, com 21 anos, estava na flor da idade, e no dia 11 de maio seguiu até Braga, ao Regimento de Infantaria R8, para fazer os testes psicotécnicos. Passou a todos. A partir daí, os planos de vida, os sonhos e os projetos que tanto ambicionava, ficaram em suspenso. Só restava um único propósito – lutar pela pátria.

Três meses depois, no dia 5 de agosto de 1961, Joaquim embarcou no paquete Timor, em Lisboa, rumo à Índia. Era o início de uma viagem que marcaria a sua vida. Não sabia se ia voltar. A única certeza que tinha é que não havia alternativa. “Requisitaram-nos às 11 horas para embarcarmos às 19h. Quase que não tivemos tempo para nos despedirmos das nossas famílias”, recorda Manuel Passos, um dos companheiros de guerra de Joaquim Costa.

“Fomos pelo canal do Suez”, o estreito caminho artificial que separa o Mar Mediterrâneo do Mar Vermelho. “Atracámos lá durante umas horas, e uns dias depois no Bahrein”, lembra Joaquim. A título de curiosidade, Manuel Passos acrescenta que, quando estavam a atravessar o Mar Vermelho, receberam ordens para rumar à Guiné, onde tinha estalado um conflito, mas como teriam de fazer um grande recuo, acabaram por manter a rota inicial.
A 22 de agosto, dezassete dias depois da partida de Lisboa, a armada portuguesa chegou à Índia. “Atracámos no porto de Mormugão, em Goa. Depois, seguimos de ferryboat até Mapuçá, onde nos instalámos”, diz Joaquim Costa.

Nos primeiros meses, a missão portuguesa na Índia foi tranquila. Joaquim, que na sua terra-natal tanto adorava jogar futebol, não deixou de fazer o gosto ao pé no continente asiático. “Um dia, jogámos contra uma seleção local, em Goa, e ganhámos 2 a 0. Fui eu que marquei os dois golos da vitória”, recorda, com orgulho.

O ataque de dezembro de 1961
Se no terreno as relações entre portugueses e indianos até proporcionaram alguns momentos de convívio e de disputas amigáveis de futebol, nas relações diplomáticas entre os dois países – Portugal e Índia – a situação era bem diferente.

Nehru, então primeiro-ministro indiano, queria a libertação de Goa, mas Salazar recusava o diálogo e não acreditava num ataque. Enganou-se. Iniciava-se o dia 18 de dezembro de 1961, quando o exército indiano decidiu por um ponto final nos 450 anos de poder português na Índia. “Éramos cerca de 3 mil homens, distribuídos por Goa, Damão e Diu. Eles eram talvez uns 40 mil. Era uma luta impossível”, desabafa Joaquim.

Perante a força do ataque, feita por céu, terra e mar, Vassalo e Silva, general do exército e último governador de Portugal na Índia, contrariou as ordens de Salazar e rendeu-se. Para Salazar, era “resistir até à última gota de sangue”, mas para Vassalo prevalecia a ideia da “recusa do sacrifício inútil”.

Joaquim e os companheiros foram presos pelo exército indiano e levados para um campo de prisioneiros. “Inicialmente, fomos para Pangim, capital de Goa, para um campo provisório, e mais tarde para Pondá”. A partir daí, “trabalhámos de pá e pica durante muito tempo. Éramos escalados para diversos serviços. Apanhávamos pedras, carregávamos e descarregávamos comboios, enfim, tudo aquilo que nos mandavam fazer”. Quanto à alimentação, não era a melhor. “Usávamos umas latas, parecidas com essas que existem agora de chocolate em pó, e íamos buscar a nossa comida. Comíamos umas conservas. O que havia. Sentia muito a falta de vitaminas”.

Apesar das condições precárias a que Joaquim e os restantes prisioneiros foram submetidos, os indianos deram-lhes algumas regalias. “Deixavam-nos contactar com a família através de cartas. Escrevi algumas vezes para os meus pais”. Quanto à esperança de voltar a Portugal, esta mantinha-se. “Também nos deixavam ouvir uma rádio local. Era assim que nos informávamos sobre a nossa situação. Tentávamos acreditar que a qualquer momento podíamos ser libertados”.

No entanto, em Lisboa, Salazar em nada se preocupava com os prisioneiros portugueses. Para ele, não passavam de uns traidores por se terem rendido. “Apesar de estarmos presos, não termos acesso a armas nem uma quantidade suficiente de homens para lutar, Salazar insistia para que lutássemos”. Uns anos antes, a presença militar de Portugal na Índia era maior, mas “com a Guerra do Ultramar, foi necessário distribuir as forças por outros países, como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau”, explica Joaquim.

Continua

Outras Opiniões

Os leitores são a força e a vida do nosso jornal Assine A Aurora do Lima

O contributo da A Aurora do Lima para a vida democrática e cívica da região reside na força da relação com os seus leitores.

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.