Richard Hamilton (Reino Unido, 1922-2011) – “Afinal, o que é que torna as nossas casas de hoje tão diferentes e tão atraentes?”, Colagem, Ano de 1956

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Américo Carneiro

É interessante verificar isto… a resposta à questão que o título da obra põe está na própria obra… De facto, podemos observar, navegando erraticamente por entre símbolos de ostentação, de artificialidade e de gritante publicidade, para logo se paralisarem – mal lhes ponhamos os olhos em cima – em poses de flagrante sedução consumista, vazias de sentido vital e ideológico e parecendo ocupar-se com redutores papéis impostos por uma qualquer “máquina trituradora” (que hoje diríamos “Matrixx”), fria, calculista e sedenta de lucro a qualquer preço, um homem de feição atlética, exacerbando hormonas e exibindo um fálico POP! e duas mulheres, uma das quais, com cabeça de “abat-jour” e quiméricos seios se expõe como objecto de luxúria no centro da “casa”, enquanto uma outra, à distância e  “à moda vestida”, se encarrega das tarefas do lar, aspirando no alto de vertiginosas escadas como se deslizasse numa “passerelle”…Ficamos com a impressão de que uma e outra são a mesma em funções diferentes. Mulheres-objectos. E que o homem-objecto é o mestre de cerimónias naquele festim que parece não vir a ter fim. Os três vogam por ali, por entre objectos de consumo, sejam eles electrodomésticos ou pranchas de banda desenhada, artigos para os quais não se descortinam quaisquer soluções para providenciar aos seres humanos a satisfação das suas necessidades mais prementes ou garantir-lhes os direitos básicos, longe até de assegurarem a promoção da dignidade humana. 

Dando expressão à coisificação do humano, à sublimação dos desejos através do consumo (e já não através do amor, da sabedoria ou da arte), aos efeitos da massificação e da alienação através da crescente ditadura da publicidade, esta obra de 1956 vem cumprir cabalmente com o que havia já sido prometido por Eduardo Paolozzi em 1947 (V., p.f., o artigo “XV. Paolozzi”, na rúbrica “Amados Quadros” d`”A Aurora do Lima” N.º 20, Ano 167, de 02.06.2022).

É esta considerada a primeira grande obra do movimento artístico da Pop Art que nasceu no seio do “Independent Group” de Londres em 1952, grupo que integrava artistas como Richard Hamilton e Eduardo Paolozzi, acima mencionado. O grupo veio a dissolver-se em 1956, depois da organização da Exposição “É isto o Amanhã”, que veio a revelar sentido premonitório, na Whitechapel Gallery de Londres. E esta colagem de Hamilton pontuava na Exposição como pontuou entusiasticamente nas críticas que a qualificaram como uma das primeiras obras de Pop Art, atribuindo a esta nova forma de arte uma enorme importância como “marco de passagem da Modernidade para a Pós-Modernidade” já que viria a resolver a crise da arte no séc. XX com uma atitude criativa, crítica e ideológica que ultrapassava o exacerbado intelectualismo dos bastiões do Modernismo.

   Esta atitude de Hamilton e de seus companheiros era igualmente louvada pela crítica e pelo público inglês porque, em primeiro lugar, ela reflectia uma desmesurada apetência (e fascínio) pelos “milagres económicos da América” no seio de uma Grã-Bretanha bastante atrasada pelo dramático esforço de guerra que gerou níveis de fome, caos e destruição difíceis de resolver até à década de 60; em segundo lugar, porque procuravam o que hoje conhecemos como a “estética das massas” no seio das sociedades capitalistas, porque procuravam uma definição de “arte popular”, e ainda procuravam saber quais seriam os limites para a “massificação” dessa mesma “arte popular”; e, enfim, pela adopção dos símbolos, linguagem e objectos de um quotidiano que, mais que adquiridos, eram desejados pelas massas populares como “ideais de civilização”.

Com uma atitude aparentemente prática e materialista, sugestivamente camaleónica, Hamilton achava que “o Pop deve ser magnífico, consumível, produzido em massa e popular” mas nunca nos disse que ela deveria ser inócua ou acrítica…Compete-nos, portanto, entrar na “Matrixx” sem medo e perceber como as coisas funcionam… Fiquem bem, amigos!

N.R. – O Autor não segue as normas do novo Acordo Ortográfico.

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