Estamos perante uma grande encenação. Ela combina uma bem conseguida ilusão de óptica, uma estética impecável e um virtuosismo que servem o propósito de nos deixar fortemente impregnados com o pólen de um mistério intenso mas que nunca se poderá resolver.
Uma ama catalã (que poderá ter sido a do autor) vestida com os hábitos dos princípios do século XX, sentada na areia e voltada para o mar, parece mostrar algo ou segredar algo a um menino (que poderá ter sido o autor) que empunha um arco e se acolhe à sua sombra, longa e espessa sombra certamente projectada por um poente radioso. Tudo como nas fotografias antigas, em tons baços, pardos e cinzentos, do “passado”.
Numa estranha e bifurcada (?) falésia, abrem-se dois olhos sonhadores que, em sentido contrário ao do plano onde se insere a ama e o menino, parecem querer sondar o intrigante “futuro” ou um mar de possibilidades infinitas. Por trás destes expressivos olhos, outras falésias longínquas, esbatidas, estabelecem uma ligação com o céu imenso (“presente”) através do poder dos seus “nostálgicos” tons violáceos.
A justaposição do plano do horizonte, superior, amplo e colorido, onde se inserem os olhos e a testa, com o primeiro plano, inferior e com seus tons pardos e cinzentos de fotografia antiga, forma o belo rosto sonhador de adolescente, sendo a cabeça da ama o nariz, o seu pequeno manto a boca e tudo emoldurado pela saia e pelo pequeno vulto do menino. Creio estarmos perante uma das mais belas metáforas sobre o Tempo alguma vez produzida, sendo a sua máxima eficácia alcançada com o mínimo de elementos pictóricos e sem qualquer recurso a alegorias.
A este genial quadro se ligará para sempre uma rocambolesca história: – Exposto graciosamente (por proprietário anónimo) no Museu Scheringa, em Spanbroek (Holanda), havia sido roubado no 1.º de Maio de 2009 e em plena luz do dia, após rápido assalto levado a cabo por um bando fortemente armado e encapuçado. E, desde então, nunca mais se descobriu o seu paradeiro.
No final do mês de Julho de 2016, passados sete longos anos, o jornal holandês “De Telegraf” noticiava a sua recuperação. Mais noticiava que, através de um intermediário, a perigosa quadrilha havia contactado o célebre detective Arthur Brand, especialista em obras de arte, e pretendia fazer a sua entrega pacífica. Voltou, pois, e voltou em estado impecável.
Ainda segundo o jornal “De Telegraf”, a organização criminosa “não queria ser culpada da destruição ou revenda de obras de arte”…
Será que a Arte realmente “amansa as feras”?
N. R. – O Autor não segue os preceitos do novo Acordo Ortográfico.