“Se a dança nasceu connosco, não devíamos ser todos bailarinos?”

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Muitas das danças tradicionais que hoje dançamos, em Viana, devemos às recolhas feitas pelos elementos de alguns grupos, nos anos 60, 70 e até 80 (munidos de lápis e papel, outros já de gravador na mão) junto dos mais idosos das freguesias, e solicitando apoio aos músicos/compositores seus contemporâneos, como o maestro José Pedro, entre outros. Há grupos que não fizeram este trabalho, limitando-se a copiar o labor dos outros, mas há quem o tenha efetivamente realizado, e a quem devemos esse conhecimento.

No entanto, na grande maioria dos grupos, a dança e o canto são ensinados por imitação, ou seja, através da observação de bailarinos e cantores mais experientes, e repetição – posso dizer isso com toda a propriedade, porque também foi assim que eu aprendi e tenho assistido a ensaios de grupos congéneres. Poucos são os grupos que, à data, já incluem métodos de ensino com um maior suporte didático-pedagógico.

Enquanto na música começam a surgir, em alguns grupos folclóricos, elementos já mais preparados, graças à excelente formação musical dada pelas academias e escolas de música, bandas, entre outras, no canto, acontece menos, embora algumas cantoras dos grupos já tivessem também passado por essas instituições, mas, na dança, isso ainda não aconteceu.

Com estas considerações, estou, no entanto, a afastar-me um pouco do que quero partilhar: esta inquietude com o facto da dança ter saído das nossas vidas e o tanto que esta arte contribui para que nos entendamos como povo e em diálogo com outros povos.

Se eu perguntasse, numa turma de adolescentes, ou numa reunião geral de uma empresa, quem dançou de forma espontânea no último mês, dificilmente teria algum braço no ar.

Ora, se a dança tem um papel muito para além do bem-estar físico e psicológico e pode ser importantíssima na socialização, como podem ainda existir crianças, jovens e até adultos que não têm qualquer experiência nesta área, para além de assistirem a vídeos nas plataformas digitais, ou a um ou outro espetáculo esporádico de dança?

Foi por tudo isto que me aventurei a realizar projetos na escola do primeiro ciclo da minha localidade, que já duram há 9 anos, e que têm suscitado muito interesse dos que percebem a importância de não deixar desaparecer o património cultural local e de o passar às novas gerações.  

No entanto, logo compreendi que estes eram como uma gotinha no Atlântico e que os deveria multiplicar por muitos mais. Para isso, fui realizando alguns cursos de formação na área da educação artística – dança – e preparei alguns mais, para conseguir chegar àqueles que (a meu ver) muito podem fazer para inverter esta situação: os professores. 

Não me refiro apenas aos professores universitários que poderiam olhar, mais aprofundadamente, para a temática, e promover investigação e publicações sobre o canto e a dança tradicional, mas também aos professores das escolas básicas e secundárias.

Já lhes é pedido tanto, mas a minha experiência e as conversas que vou tendo com os colegas que já ensinam as danças, as cantigas tradicionais e os costumes a elas associados, sejam eles de Viana, de outras regiões de Portugal ou do mundo, é muito positiva. 

Mafalda Silva Rego, intervenção em “Ler em Viana”, (A Cantar e a Dançar é que a gente se entende), abril 2023, parte II (*) Inês Fonseca Santos

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