“Se a dança nasceu connosco, não devíamos ser todos bailarinos?”

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Há uns anos li um estudo sobre como a dança tinha desaparecido da vida dos portugueses. A princípio não me fazia sentido, pois à minha volta todos dançavam, mãe, irmão, primos, amigos, todos.

Mas aquele estudo ficou na minha memória, interpelando-me a cada passo. Na verdade, comecei a perceber que todos os que dançavam ou cantavam, à minha volta, o faziam através da criação de um personagem, que não eles. Todos o faziam para preparação de algo considerado maior, que era a apresentação final, com trajes, som, luz, palco. A representação de um determinado período da história e da sua região.

Que me lembre, não tive, em toda a adolescência, qualquer aula de dança incluída nas aulas de Educação Física, ou outras, nem isso parecia ter lugar na escola. Era algo à parte, para quem pertencia a algum grupo folclórico, por exemplo, ou a escolas de dança que, fora dos grandes centros, eram praticamente inexistentes e não acessíveis aos bolsos de todos.

Quando a minha filha nasceu, procurei dar-lhe novas experiências ao nível da música, do canto e da dança que não as minhas, nomeadamente, no caso da música e do canto, o Conservatório Regional de Viana do Castelo, e no caso da dança, o Ballet, mas também aí encontrei a necessidade de roupas especiais, de frequentes ensaios, de palco e de público. 

Não me oponho a isso. Considero, inclusivamente, que se não fosse o labor dos grupos folclóricos e das escolas de dança, seja qual for o estilo que estivessem a ensinar e, se não fossem as apresentações finais (que muito contribuem para o refinamento e a oportunidade de aplicar o que se aprende), a situação seria muito pior, pois o hábito de dançar e, principalmente, o conhecimento das danças tradicionais, ou outras, já se teria perdido, não sendo possível encontrar novos talentos que pudessem seguir a dança profissionalmente, por exemplo.  

Considero, inclusivamente que, em Portugal, na cultura tradicional, foi o processo de folclorização, ou cristalização das tradições nas formas de música, dança ou representação teatralizada que esses grupos muitas vezes fazem, que tornara possível dar a conhecer um valoroso património cultural que muito contribui, inclusivamente, para a visibilidade dos diversos territórios e em que os investigadores podem, ainda hoje, basear os seus trabalhos. 

Ao contrário do que aconteceu noutros países, as primeiras recolhas das cantigas e das danças tradicionais foram feitas de forma abnegada e sem os apoios dos académicos (sejam eles etnógrafos, músicos, coreógrafos ou bailarinos profissionais), muito alicerçadas na boa vontade dos que as sentiam como importantes para a sua comunidade. 

Talvez também por isso, em Viana do Castelo, muito poucos são os registos que temos em livro dessas danças e cantigas, sendo algumas das exceções, e dou apenas exemplos, a obra etnográfica de Abel Viana, alguns livros de Pedro Homem de Mello, ou o cancioneiro do Coronel Afonso do Paço, que tem por ordem alfabética muitas quadras que se ouviam cantar em Viana do Castelo.

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