Segurança europeia e segurança mundial

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José Veiga Torres

A guerra que a Federação Russa vem impondo à Ucrânia levantou graves questões de segurança não só àquele país invadido, mas a todos os países europeus e a ao resto do mundo. Qualquer problema grave de qualquer país, agora, globaliza-se. Por isso, não é possível falar de segurança europeia sem falar de segurança mundial. Não é por acaso que, simultaneamente ao caso da Ucrânia, haja manifestações de poderio bélico no Oriente, concretamente nos mares da China e das Coreias. Os problemas de segurança, hoje, são problemas de toda a humanidade a que não é possível escapar, refugiando-nos em ilusórios comodismos particulares. Qualquer invasão de um país por outro, hoje, só é possível por desobediência a normas internacionais e com reflexos em toda a ordem internacional, que se repercutem globalmente nas relações políticas e económicas. Qualquer país agressor sabe que o agredido terá de procurar a ajuda de seus vizinhos e amigos. Qualquer país agressor sabe que ao agredir um país está como que a agredir os países vizinhos e amigos de país agredido. Não é a pretexto de assegurar as suas fronteiras externas que a  União europeia e outros países vizinhos e amigos da Ucrânia ajudam este país com todos os recursos necessários para se defender e expulsar o invasor. Trata-se, sobretudo, da natural solidariedade, cujas consequências devem, portanto, ser assumidas responsavelmente, até porque quem é capaz de agredir um tenderá a agredir outros. Seria humanamente aceitável abandonar um país à sua sorte vendo-o ser invadido por outro?

Dizer que a Federação Russa não beliscou os países da União Europeia, nem outros de outros continentes é contradizer a evidência dos factos, das perturbações da geopolítica internacional, das perturbações das economias e do agravamento das condições sociais dos países de menores recursos essenciais. Não é possível, seriamente, interpretar a ajuda à Ucrânia como um móbil para medir forças com o país agressor. Seria malévolo pensar que se trata de um jogo de duvidosos interesses. Trata-se, efetivamente, de uma guerra terrível que um país desencadeou conscientemente, de que resultam consequências e riscos incomensuráveis. Não é, por isso, aceitável que se denigra o nosso país por colaborar, solidariamente e à sua medida, na ajuda coletiva à invadida Ucrânia.

Não sabe o que é a solidariedade quem diz de Portugal que se arma em rico, quem diz que Portugal vive de esmolas da União Europeia. Só o pode dizer quem não sabe que os fundos da União Europeia são distribuídos por todos os países, ricos e pobres, proporcionalmente, na tentativa solidária, ainda que morosa, de tentar a equidade entre eles. Como também todos os países da União, Portugal incluído, contribuem, proporcionalmente, para esses fundos. Seria estreiteza de espírito só acusar a malvadez de estrangeiros esquecendo a malvadez  muito mais grave dos muito mais numerosos nossos concidadãos a braços com a justiça.  

A preocupação pela segurança significa a consciência de que a violência nos ameaça e de que precisamos de criar condições para a evitar, prevenindo-nos antes que ela se desencadeie e tendo meios de a neutralizar, se nos assalta. É o que se passa, quer a nível individual, quer a nível comunitário, qualquer nível que seja, desde a pequena comunidade familiar, até à grande comunidade nacional, ou, ainda, às comunidades internacionais.

A violência sempre foi uma realidade na história humana, desde os primórdios. Não se diga que é intrínseca à “natureza” humana. Primeiro, porque não se pode falar de “natureza humana” de modo determinístico, como se as pessoas (o ser humana é sobretudo uma “pessoa”) fossem coisas determinadas por leis irrevogáveis. Depois, porque o ser humano deseja mais que tudo a paz. O que acontece é que, para alguns, a paz só se realiza dominando os outros, sendo senhores dos outros. Isto a nível individual e a nível comunitário. A paz só se realiza pela concórdia. A concórdia só é possível pela solidariedade. Quando se rompe a solidariedade abre-se o caminho para a violência. A violência é irracional, mas obriga-nos a adotar estratégias de segurança.  Porque fechamos as nossas casas? Porque a violência é possível, ela começa nos sentimentos individuais e estende-se a todos os níveis da sociedade, até chegar à violência das armas. A maior solidariedade possível, pela qual teremos de lutar, será a de conseguir desarmar-nos. Dizemos que é uma utopia, mas tem de ser o objetivo da política global. Com esse objetivo se criaram as Nações Unidas no fim da II Guerra Mundial. Não o têm cumprido as maiores potências, mas não desesperamos de que um dia o cumpram. A racionalidade humana o reclama. A História mostra-nos que o mundo humano já foi mais cruel e mais irracional.

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