Passava, nesse domingo de céu lavado, pela antiga Praça Nova, hoje da liberdade, quando deparei com Silvério recostado nas grades férreas do extinto Banco Ultramarino.
Acerquei-me com a mão direita esticada e disse-lhe:
– “Dá cá um abraço, meu velho! O que é feito de ti? Há séculos que não te vejo!… Empertigou-se. Olhou-me com olhos apagados, sem brilho, de ombros descaídos, e confessou-me:
– “Ando com uma neura, que não te digo. Estou triste como a noite. Tu sabes o que me aconteceu? Não sabes; mas eu conto-te: o meu filho andava atrapalhado. Ganha pouco, e a senhoria queria aumentar-lhe o aluguer. Tive pena do rapaz. Como sabes, sempre fui poupado, até fome passei! – Amealhei dinheirinho para a velhice. Ao vê-lo em dificuldades, resolvi pegar no que tinha e dei-lho, para comprar a casinha. Não calculas o que me custou ficar a zero. Mas ele merecia…”
Silvério fez curto silêncio. Depois continuou:
– “Digo: merecia…Tu sabes o que o malandro me fez? Apanhou-me o dinheiro. Comprou a casinha e ainda me disse que, se pudesse, me daria algum todos os meses. Não quis, mas fiquei grato pelo gesto de amizade e gratidão. Pois agora desmudou-se: se antes era paizinho para aqui, paizinho para ali, agora mal fala comigo. Ainda a semana passada o fui visitar, julgas que me deu atenção? Qual quê! Estava trombudo… Fugia de mim, como o diabo da cruz. Tive a impressão que queria ver-me pelas costas.”
Ao vê-lo assim angustiado, respondi-lhe, animando-o:
– ” Isso deve ser impressão tua…”
-” Não é ” – retrucou com os olhos aguados – “Ainda dizem que devemos auxiliar os filhos…Por bem-fazer, mal haver… Tudo me parece negro. Ando triste. Muito triste… Quem me mandou dar o que tinha? Agora nem dinheiro tenho para entrar num lar… e perdi a amizade do Zé!… Está servido…”
Depois de o estreitar compungido contra o peito, com forte abraço, despedi-me do antigo companheiro com o coração apertado e mágoa infinita.
Na realidade, muitos ao verem-se servidos, esquecem-se dos pais, avós e amigos, que tudo fizeram para os ver felizes.
Silvério deu, como a viúva do Evangelho, o que lhe era necessário para velhice sossegada e confortável. Agora está pobre, abandonado por todos, até pelo filho, que pensava que o amava ternamente.
Quantos Silvérios haverão por esse mundo fora?!