Sons Efémeros… Conceitos do Momento…

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Sidónio Ferreira Crespo

Passou já muito tempo que vim para o mundo. Mas o tempo passa, fo­ge tão depressa. Está a terminar mais um ano, com as suas alegrias e tris­tezas, com os seus nascimentos e lutos. Os dias, semanas, ou meses, desa­parecem do calendário dependurado na parede ou colocado em cima da mesa do escritório, que no turbilhão da vida, esse percurso perde notorieda­de. Mas é real, é palpável, sem dúvida! Mas a ocasião de que nos abeira­mos paira, bem, acima do fluxo pardacento do quotidiano. Nela, cada pala­vra boa, ou má, cada sorriso, cada cântico, cada amargura, cada desilusão, tudo ecoa numa rima feliz ou desgraçada, colidindo com o que há de melhor ou de pior em cada um e em todos nós. Caminha, apressadamente, a chegada do Natal. Será legítimo perguntar, nesta quadra, se é a nossa verdadeira natureza que se desvenda ou se é antes por convenção, a partir do exteri­or, ainda que interiorizada, que nos comportamos de uma forma tão diferente daquela que o mundo, no resto do ano, parece exigir? Qualquer que seja a resposta de cada um, o que é certo é que são estes os dias da dádiva, da generosidade, do recordar com saudade ou azedume, os tempos de menino e moço, ficando pautados entre os melhores ou os piores do ano. Torna-se, no entanto, assinalar que no Natal, o que realmente importa, mas que tan­tas vezes tentamos ignorar ou esquecer, emerge, evidente, nítido, como gravado no brasão da humanidade, a troca sem tráfico dos afectos, o per­dão sem cálculo das ofensas, o calor sem atrito da família, a alegria sem constrangimento das crianças.

Desloco-me à aldeia que me viu nascer, nesta quadra natalícia, numa romagem de saudade, a fim de visitar os restos mortais de minha mãe, que descansam, eternamente, à sombra dos ciprestes, naquele campo santo. Es­ta terra, para mim, torna-se inesquecível. Os rapazes e raparigas do meu tempo onde se encontram? A maioria, para não afirmar a totalidade, a ca­minhar pelo Além, encarregando-se, agora, em alumiar o globo terráqueo com as suas estrelas de presença. A rota da vida, com os anos que já decorreram, afastou certamente da memória das actuais gerações, os
tempos que por lá andei. E nesta corrida de recordações, ao passar junto da velha escola primária, ficam-me os olhos presos na meninice. Instantâ­neamente, dentro de mim, uma força oculta produz uma fantástica metamor­fose, fazendo-me recordar tudo o que já fugiu. Vejo-me sentado no antigo páteo da escola, que em cada canto deixei cristalizar uma recordação, ou no terreiro, correndo e gritando. O eflúvio que a época exala traz-me à lembrança as brincadeiras ocorridas nas horas de recreio, que eram inter­rompidas com as palmas do professor Manuel Barbosa, a chamar para as au­las. O mestre levou-o o tempo e sumiu-o a terra. Homem sábio, bom, paciente e muito dedicado ao ramo das funções que desempenhava. A escola continua no mesmo sítio com o seu seio perene de gerações, que alguns talvez a tenham esquecido. As novas mentalidades converteram-na num museu do pão, mostrando o desenvolvimento das actividades agrícolas. Volto as costas, completamente, à velha escola. Comigo, fica, sempre, a certeza de que todas as peripécias de adolescente desenroladas em volta dela serão, para mim, eternas.

Dobrando, por completo, a esquina do caminho, lanço-lhe mais um olhar de despedida e gratidão. O meu espírito sente-se envolvido pelo eco longínquo dos divertimentos havidos na recreação… “Ó senhor barqueiro… deixe-me passar”…

Nota: – Esta crónica, por vontade do autor, no segue as regras do novo acordo ortográfico.

Foto: “Mensagens com amor”

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