Aparentemente, naquela Noite, na cidade, ninguém está só. Cidade das maravilhas, paraíso de alguns, templo de sonhos, orbe de mulheres bonitas e donairosas, mansão de prazeres e diversões, bem como de repúdio e de inveja, de encontros fáceis de aventuras, onde, também, à mistura se reza, se mendiga, se nasce e se morre.
Perdido no bulício da cidade erra e orienta-se muita gente. Nas lojas, butiques, restaurantes e em diversos outros estabelecimentos trabalham seres humanos a sonhar, talvez, com a felicidade. A cidade do destino, à primeira vista, não admite solidão.
Noite inesquecível! Noite que irá voltar. Sonhos de amor. Realidades flagrantes. Aventuras de realce, candelabros sem escuridão. E o que a cidade apresenta, dominada pelo seu próprio eco, na esperança do nascer de um novo dia. Esvai-se a tarde. As árvores das ruas e dos jardins, que durante o ano permanecem mais escuras enchem de claridade, nesta época, os locais onde estão implantadas, marchetando, de muitas cores, o seu ambiente, como que formando, ao anoitecer, um centro fantástico de poemas. Noite morna e quase clara, embora marcada pelo forte frio do mês de dezembro, oriundo das serranias cobertas de neve. Uma bruma; de aspecto incolor, devido à iluminação eléctrica, vinda das margens do oceano, banha o casario, ao mesmo tempo os altifalantes emitem música conciliadora de paz entre as pessoas.
As montras, atestadas de brinquedos, paralelamente, lembram aos adultos o mundo inocente e puro das crianças que as caracterizam como anjos vindos do Céu. O barulho é menor. As avenidas, as ruas, os caminhos e as veredas, a pouco e pouco, ficam sós e silenciosas a descansar aquele momento precioso que, depois, se seguirá, novamente, o turbilhão passante da azafama humana. Neste ambiente cosmopolita e controverso, repenicam, festivamente, os sinos das igrejas. Os templos enchem-se de fiéis. Vive-se… Os contrastes da realidade sobrepõem-se, mais uma vez, entre o bem e o mal. A estrela do Oriente, agora, brilha com mais força no firmamento a querer iluminar o coração das gentes.
É Inverno. A noite cai. Os campos são mantos brancos e os telhados assemelham-se a maços de algodão. No ar paira uma música celestial. Folhas caídas, ao abandono, vão com o vento, devagar, ou com força, pelo chão além, já semimortas, envelhecidas, julgando-se farrapos. A noite arrefeceu. O calor do lume, para quem o possui, sabe melhor. Pelas frinchas das portas sai uma luz indiscreta. Nem os cães ladram, para que o silêncio da tranquilidade não seja quebrado. O convívio prolonga-se, depois da ceia. O toque dos sinos vem despertar o povo para a “Missa do Galo”. Meio sonâmbulos, os católicos, dirigem-se para as igrejas. Cânticos sinceros e subtis são entoados para o céu. Sucedem-se, na continuidade da existência, as estações do ano. A Noite das Noites volta. É Natal!
Sidónio Crespo