Perto da janela o candor da gipsófila, em tempo de pássaros boémios. A corrente de ar no abajur de franjas. Escutava Lila Downs. Deixou os pratos na pia da cozinha. Limpou as mãos, ainda espumosas, ao avental. Soltou-o, languidamente, no tamborete giratório. Avivou o som e o carmim dos lábios. Levou a estrela do fio de prata para a meia-lua do decote. Os pés procuraram no verde da carpete uma viagem. No balanço do corpo os dedos arrepanhavam o vestido rodado, numa breve ascensão harmoniosa. Tirou da jarra de grés uma flor. Há flores que guardam o orvalho da madrugada e outras que perfumam as noites de pirilampos. Esta, a que lhe achou o sorriso, era flor de um ramo. Uma casinha de madeira na colina cor de tojo, carriças debutantes no céu limpo, mais o vento temperamental na antologia das estações. Caminhavam e paravam. A perceção da carícia no amansar das pálpebras. Jacinto beijava-lhe os olhos e a boca da açucena saboreava o silêncio que lhe delineava o corpo; as mãos de ambos encontravam frestas nos tecidos por onde os poros exalam; os pés bailavam num chão sem pedras. Dia de aniversário. Um ramo de flores. Foi com esta ideia de felicidade que terminou a carta, deixando o carmim no final da folha perfumada de papel. Foi-se deitar.
Isabel do Minho