Travessia no deserto

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

Não, não me refiro à travessia no deserto, por Moisés e o seu povo, quando abandonaram o Egipto, mas a uma outra travessia, esta do tempo actual. E quando digo travessia no deserto, quero significar, em matéria da política, o período na ordem de quatro anos findo o qual haverá eleições para todos os gostos, ou seja, legislativas, autárquicas e presidenciais. No decurso deste alargado período, apenas terão lugar eleições para o Parlamento Europeu (PE), que poderão fornecer uma indicação do estado de alma dos portugueses relativamente ao governo de maioria absoluta do Partido Socialista (PS). 

Até lá, os partidos perdedores das últimas eleições legislativas vão ter de atravessar o deserto do seu descontentamento, quer analisando o que correu mal, quer estudar e introduzir novas dinâmicas para alcançarem as metas a que se propõem. Estão neste caso o CDS, PCP, PAN e BE, que foram os mais duramente castigados pelos eleitores e aos quais se pode aplicar o título de um livro do escritor norte-americano, Ernest Hemingway, “Por quem os sinos dobram”.

Por razões que se prendem com a função governativa e porque se trata do único partido que acalenta e oferece condições para ser governo, constituindo alternativa ao PS, vou cingir-me ao PSD, por ser o segundo grande partido nacional, tendo embora sido fustigado nestas últimas eleições.

Sendo um dado adquirido que a liderança em funções entendeu não ter condições políticas para conduzir os destinos do PSD, certo é que os seus militantes terão de eleger um novo presidente. E aqui começam os jogos de influência, não porque não surjam candidatos bem-intencionados, mas porque poderão não possuir os atributos exigidos ao verdadeiro líder de que o partido necessita no momento presente. Não estará em causa, certamente, a vontade de bem servir, mas poder-se-á correr o risco de ambições desmedidas e isso é profundamente redutor.

Tenho na mente um pensamento do que deve ser o líder deste Partido fundador da democracia, considerando que pode ascender a Primeiro-Ministro. Não exijo muito, mas tem de possuir um especial carisma, ou seja, um dom em que esteja implícito o perfil de verdadeiro estadista, com qualidades e capacidades pessoais e intelectuais reconhecidas, e que domine todas as temáticas da política interna e externa. Que seja, além disso, uma personalidade com forte impacto social, agregador, que inspire confiança pela sua seriedade e honorabilidade, que saiba rasgar horizontes, que suscite o respeito dos cidadãos, mesmo dos opositores, e que saiba gerir a autoridade dentro do Partido de forma a mantê-lo unido. E, claro está, que ostente capacidades discursivas para chegar à alma dos eleitores, sem cair em exageros de linguagem e de mimetismos, que tanto se vulgarizaram. 

No passado, o PSD teve dois líderes que, em meu entender, preencheram este conceito de liderança e que por isso considero que foram líderes carismáticos. O primeiro foi o fundador do Partido, Francisco Sá Carneiro, e, o segundo, Aníbal Cavaco Silva. Ambos, cada um a seu modo e em circunstâncias bem diferenciadas, levaram o PSD ao governo da Nação, o último com duas maiorias absolutas, deixando sementes e reformas que ainda hoje perduram. Cavaco Silva acabaria por evidenciar mais ainda o seu pragmatismo, ao vencer duas eleições presidenciais, igualmente com maioria absoluta!

Quanto aos outros líderes que passaram pelo PSD, acredito que deram o seu melhor, mas não foram líderes carismáticos e, por isso, o Partido tem andado desencontrado dos eleitores. Ressalvo, no entanto, Pedro Passos Coelho, que, num momento crucial do nosso destino colectivo, foi um líder que soube assumir as rédeas da governação e tirar o país do abismo onde os socialistas o tinham deixado. Esta justiça não lhe tem sido feita e os adversários das esquerdas têm-lhe lançado anátemas absolutamente injustos, entendíveis apenas por manifesta inveja e incapacidade de agirem como ele. A História, porém, se for seriamente escrita, encarregar-se-á de lhe fazer justiça. Passos Coelho não permitiu nem apregoou facilitismos, teve um exercício de autoridade notável no Partido e no Governo, soube ser pragmático e teve êxito nas políticas empreendidas para o bem-comum, colocando o país no rumo certo, ainda que, necessariamente, com o sacrifício de todos. Embora esse sacrifício não tenha sido compreendido pelas esquerdas, que se deleitam com o Estado-patrão, foi a receita certa na altura certa, que permitiu à gerigonça colher os frutos e usar os créditos materializados na recuperação económica do país. Só os cegos e mal-intencionados não querem ver!

Concluindo, diria que os candidatos a líder do PSD deveriam fazer um profundo exame introspectivo e verificarem se, realmente, são detentores dos atributos necessários para liderar este grande Partido com todas as suas idiossincrasias. E se concluírem pela positiva, que se apresentem a sufrágio dos militantes. Sem desconsiderar, porém, nenhum dos potenciais candidatos, e sendo certo que Pedro Passos Coelho não entra na corrida, o que lamento, acredito que Luís Montenegro apresenta o perfil requerido para assumir a liderança do Partido, tendo em conta a prova de fogo pela qual passou com distinção enquanto líder parlamentar, as suas qualidades de oratória e a capacidade de resiliência.

Outras Opiniões

Os leitores são a força e a vida do nosso jornal Assine A Aurora do Lima

O contributo da A Aurora do Lima para a vida democrática e cívica da região reside na força da relação com os seus leitores.

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.