Última fronteira

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

O país está infectado até às entranhas pelo vírus da corrupção, que atingiu os órgãos vitais dos níveis mais altos da sociedade, onde, supostamente, e como garantia da confiança para os cidadãos, era suposto existir uma barreira de segurança intransponível.

Com a vinda a público de informações que referem os nomes de magistrados de um tribunal superior envolvidos em graves ilicitudes, foi mesmo violada a última fronteira e quebrado o mito da confiança no sistema de justiça, que, note-se, já vinha apresentando sinais de debilidade. Que o vírus se introduzira noutros níveis inferiores do sistema já não era novidade; mas instalar-se silenciosamente em patamares superiores da Justiça, que funciona de forma hermética e onde são tomadas importantes decisões, é algo que repugna e que os cidadãos não esperavam nem merecem.

Esta situação representa uma vergonha para o país e uma degradação para o sistema de Justiça. Certamente, os titulares identificados e, eventualmente, outros ainda no anonimato, não foram vacinados contra este vírus agressivo da corrupção e, por isso, não ficaram imunizados. O resultado é o que temos por agora, sendo certo que alguns órgãos de comunicação social não darão tréguas na pesquisa de outras situações para que sejam desmascarados os prevaricadores.

O sistema de Justiça, com especial destaque para os tribunais, quaisquer que eles sejam, deveria ser incorruptível, e nele servirem homens e mulheres com ética e carácter à prova de qualquer tentativa de intrusão desse terrível vírus. Provavelmente, nos cursos de especialização com vista ao exercício das funções de magistrados, não terão sido devidamente acompanhados nem avaliados no seu carácter através dos testes que a moderna Psicologia põe à disposição, nivelando-se a função de magistrado como um qualquer emprego, quando a verdade é que tem de haver uma diferenciação, já que são eles que comandam as nossas vidas.

Concorrerá, também, para este estado lastimável da Justiça, a confiança que certos magistrados terão no poder de influência de organizações poderosas que se movem no secretismo, como é o caso da maçonaria, em que quando é admitido um novo membro lhe é dito que nunca mais na vida estará só. Esta confiança cega, a que alguns serão mais sensíveis, poder-lhes-á dar o élan para se desviarem do caminho em busca da verdade, adquirindo como certo que serão intocáveis, pois há sempre uma força poderosa e invisível aos olhos do cidadão comum que os protege. E, ao que se diz, é exactamente em todos os patamares da Justiça onde existirão mais filiados maçons.

Mas a corrupção atinge outras organizações que não só a Justiça. É o caso das Forças Armadas, que deveriam constituir outro baluarte de confiança para os cidadãos, mas acabaram por dar o flanco ao inimigo, ou seja, ao vírus destrutivo que corrompe. Claro que isto não é de agora, pois já acontecia em níveis hierárquicos inferiores. Então nas guerras do ex-Ultramar terão ocorrido situações incríveis ao nível da administração militar. O caso que vem sendo falado da corrupção nas messes da Força Aérea, em que está acusado um general  –  a mais alta patente militar  –   além de outras patentes, é altamente preocupante e o paradigma do salve-se quem puder neste país sem tino. E, claro, tinha mesmo de ser no âmbito da administração, onde se lida com os dinheiros!

Chocante foi também o facto de ter sido descoberto que um director do museu da presidência da República desviava obras de arte. Certamente que não era para expô-las em sua casa, mas para delas tirar proveito, como parece que tirou. Claro que foi demitido e responderá, certamente, perante a Justiça, mas não deixa de ser indecoroso que nem este órgão de soberania tenha escapado à sanha do vírus corruptor, à solta neste país

Se fizermos uma retrospecção sobre os casos de corrupção que já foram detectados em Portugal, chegamos à conclusão de que não haverá, praticamente, nenhuma instituição do Estado que goze de imunidade, o que evidencia que os intervenientes não foram educados para viver numa sociedade com princípios e valores, mas que se prepararam para alimentarem os seus sonhos e egoísmos a qualquer preço. O vírus corre-lhes no sangue e não irá parar, até porque cada vez mais a globalização disponibiliza tentações irresistíveis a que só muitos poderão chegar por meios ilegais.

Termino esta crónica como a iniciei. A Justiça padece de uma virose grave, pois os recentes casos conhecidos fizeram com que a última fronteira, a da confiança, fosse violada, com consequências graves para os cidadãos, que baixaram os níveis de confiança. Mas como acredito que ainda temos muitos e excelentes magistrados em funções, é neles, no seu talento e no seu carácter, que deposito as minhas expectativas, para que a justiça dos tribunais regresse ao patamar que lhe foi roubado por corruptos indesejáveis. E, naturalmente, nos lugares onde exercem funções, que tenham a força anímica necessária para neutralizar os que os comprometem, por serem indignos. O mesmo se diga para a Instituição militar.

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