Este é o número de católicos que consta no Anuário Estatístico da Igreja Romana. Mas sublinhe-se: batizados. E como o sacramento do Batismo, e respetivo registo, é celebrado, na quase totalidade dos casos, quando a criança ou é recém-nascida ou, sendo um pouco mais velha, ainda não tem capacidade de escolha (sendo, portanto, uma opção dos mais velhos) continua de pé toda uma série de factos que têm sido referidos nestas crónicas, em muitas notícias públicas e também em muitos livros de análise: “O Sinal das Igrejas Vazias”, do teólogo e sacerdote católico checo, Tomás Halik, é um pequeno livro que explica, com clareza, a situação atual do catolicismo (livro já referido na crónica nº 21).
Aliás, o relatório anual pontifício refere que o número de batizados tem decrescido nos países ocidentais do hemisfério norte (Europa e América do Norte), mas aumentado na África e na Ásia. A Alemanha é um caso paradigmático, pois, creio que em 2019, perto de 300 mil católicos alemães declararam expressamente (junto das autoridades civis e religiosas), que deixavam de professar a religião católica. Diga-se também que um número significativo de protestantes o fez. Na Alemanha, há uma razão plausível: os cidadãos cristãos (católicos e protestantes) e os judeus pagam, automaticamente através do fisco, o chamado “imposto da religião” que reverte a favor da respetiva confissão religiosa. Esse processo tem sido objeto de muitas críticas (incluindo de parte da hierarquia católica germânica e, provavelmente, das outras), até porque para se “converter a outra religião” ou passar a agnóstico ou ateu, é exigida uma declaração do próprio, quer junto da hierarquia religiosa quer, obviamente, junto das finanças públicas. Esta situação de contribuição financeira, que estranhamente parece não incluir outras religiões – designadamente o islamismo – dá à Alemanha o segundo lugar (depois dos Estados Unidos da América) de país maior contribuidor para os cofres da Igreja Católica. No entanto, os católicos alemães, que se têm “desarriscado”, apontaram numa sondagem e como razão principal “o escândalo da pedofilia por parte de alguns clérigos”.
Conclusão: a profunda crise da Igreja Católica dos países mais desenvolvidos é um facto irrefutável. É a crise da indiferença, do não-te-rales, que, entre nós, se manifesta claramente na forte redução da participação semanal à Eucaristia e, também, no desinteresse paterno em inscrever os filhos na Catequese. Creio que outra consequência diz respeito ao decréscimo da contribuição voluntária financeira. Tudo isso (e muito mais) vai acontecendo, e se agravando ano após ano. Só que aqui (Portugal e Espanha) ninguém tem de proclamar o seu desinteresse ou até as suas profundas discordâncias em matéria religiosa. O único caso que conheço é o do jornalista e escritor espanhol J. J. Benitez, que se dirigiu ao Bispo da sua diocese e, perante a estranheza da autoridade eclesiástica, fez questão de apagar formalmente o seu registo de batizado.
Como sabemos, não estamos no mundo de antanho, e este “antanho” não é longínquo, de séculos. O mundo de “antanho” apenas terminou, mais década menos década, conforme o lugar, há menos de 50 anos! Antigamente, as notícias chegavam a poucos e, e se chegavam ao fim de muitas décadas ou séculos, eram, muitas vezes, distorcidas. Hoje em dia, aparecem a qualquer minuto e até em noite de insónias ou no intervalo dos sonos. Basta ligar a internet e em inúmeros canais de notícias, entrevistas, blogues (conversas ou palestras), lá aparece a novidade, com imagens em profusão.
Por outro lado, o aumento do conhecimento ou da sabedoria, conjugados com a liberdade de pensamento, de ação e de transmissão, propiciam o aparecimento de pessoas que expressam os seus pontos de vista com muita oportunidade e desassombro. Entre nós, venho citando com frequência, em matéria religiosa, o Frei Bento Domingues, um nortenho das bandas do Gerês, e dominicano. Outro portento de sabedoria e capacidades várias é o Padre Anselmo Borges, teólogo pela Gregoriana, doutorado em filosofia e professor na Universidade de Coimbra, padre da Sociedade Missionária Portuguesa, escritor, ensaísta. Cito duas fortes declarações dele: “É possível que os católicos se sintam abandonados” e “A religião oprime quando impede a alegria a nível sexual”. O livro mais recente do Padre Anselmo Borges (Novembro de 2021) é: “O Mundo e a Igreja. Que futuro?” (da Gradiva). Só o título aguça a curiosidade dos que se interessam por estes temas.