Um destacado Artista vianense que Viana desconhece

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Oriundo de uma família ligada às artes de um visavô escultor-criador de marionetes mecânicas e um pai pintor e restaurador de arte sacra, não admira que a sua infância fosse de motivação e permanente aprendizagem no espaço artístico.

Aos dezasseis anos (1968), arriscou uma exposição individual em Viana. E a imprensa local não foi parca em elogios; estímulo forte para que outras se seguissem, quer individuais, quer coletivas, com os visitantes a prognosticarem-lhe um futuro promissor no domínio da pintura.

Mas ele sentia que o futuro não passava pela sua linda e romântica Viana da adolescência. “Na minha geração havia como uma premente necessidade de aventura, de correr mundo e absorver conhecimentos, de alargar horizontes”, diz-nos. Vai daí, ainda antes da revolução de abril, rumou a Paris. E um longo percurso longe da pátria aconteceu. Sem esquecer que o bom nem sempre esteve presente, considera que foi um dos seus períodos mais ricos no domínio da valorização e da aprendizagem. É disso que nos fala, numa longa conversa, porque, entre o sai e entra, há um tempo imenso, cheio de variantes.

Mário, como foi depois da tua partida?  

Cheguei a Paris no rescaldo do maio de 68, com muitas marcas ainda visíveis. Aportei à cidade ligada aos nomes mais sonantes das artes e da cultura, centro europeu de vanguardas artísticas, onde me radiquei durante algum tempo, vivenciando toda aquela atmosfera poética dos ambientes parisienses; fazendo os meus estudos nessa área e trabalhando para custear a minha estada.

Posteriormente foi a partida para Amesterdão?

Sim, depois de algum tempo a viver intensamente a “cidade das luzes”, aconteceu a partida para Amesterdão, com manifesto interesse pelo panorama artístico do norte europeu, onde parecia não haver restrições ou conceitos conservadores, mas uma grande liberdade da expressão plástica. Dando continuidade ao labor artístico, num atelier no velho New-Market, estava decidido a explorar os novos caminhos da pintura. Na Holanda, a grande evidência desses anos era o grupo CoBrA, considerado como o movimento artístico mais pungente nas sociedades norte europeias, auferindo de um alargado consenso estético na sociedade holandesa. Criado sob influências da arte rupestre, por oposição ao excesso de teorização e arcaísmo da arte escandinava, “a revogação dos ismos era, porventura, a divisa que mais apreciávamos no seu estandarte”. 

Com adaptação difícil, não é verdade?

Um difícil idioma, uma atmosfera de constante nebulosidade e céus cinza, geradores de uma ténue luminosidade não facilitaram a minha integração no meio artístico holandês, daí a procura de outras paragens, onde uma claridade mais quente e intensa me evocasse a terra soalheira onde nasci. Rumando ao Sul, deixei-me conduzir à pátria dos grandes Mestres, desde há muito nas minhas miragens. Agora, o desejo de confronto com a obra renascentista e pós-renascentista tornara-se real, sendo, doravante, o alvo preferencial para o meu caderno de esboços, muitos realizados na “Galleria Degli Uffizi”, de que era um assíduo frequentador durante a minha residência em Florença. Mais tarde, nesse roteiro, seguiu-se Roma e um progressivo interesse pelo estudo das civilizações. A subtilidade expressa nessas obras d’arte motivou-me a aprofundar estudos sobre as civilizações da antiguidade, indagando sobre essa vitalidade e sobriedade gestual na obra de arte clássica.

E na década de 1980 dá-se o regresso a Portugal?

É verdade, mas, desta vez, o Sul é o meu foco de interesses, tendo fixado residência numa localidade próxima de explorações de mármore, já com uma crescente intenção de uma abordagem à escultura. Iniciando-se, então, de forma muito peculiar, adaptando temáticas de mitologias de obras anteriores e criando essas representações sobre painéis de pedra mármore que evidenciavam certa correlação com os afrescos e coloridos primários das temperas observadas em Pompeia. 

E assim nasceram os primeiros trabalhos?

Sim, foi partindo daqui que os primeiros volumes talhados no mármore ganharam formas em baixos e altos relevos que, posteriormente, evoluíram para a completa tridimensionalidade nas primeiras esculturas. Foram expostas na Quinta do Lago, em Almancil, e no Centro Cultural de Lagos. Posteriormente, obras deste período foram também expostas na (UvA) Universidade de Amsterdão e na Fórum Gallerie desta mesma cidade. Temas, formas e coloridos contrastantes obtidos pela justaposição dos diversos géneros de pedra, numa originalidade estética surpreendente que cativam o olhar e desafiam a imaginação.

Daí até às encomendas foi um pequeno passo?

Neste perfeito domínio de técnicas e processos, as minhas esculturas suscitam encomendas, ora privadas ora públicas, uma das quais sobressai com evidente notoriedade! trata-se de um projeto “Land-Art”, com a instalação de esculturas na vastidão da paisagem Vicentina, numa fusão entre arte e natureza, apelidado “das Mãos à Natureza”, a partir de uma série de esculturas antropomórficas, em calcário local, com conotações ambientalistas. Estávamos, então em finais da década de 1990. Depois, utilizando com mais regularidade a pedra mármore, mas também o aço e outros materiais, surgiu o convite para a produção de obras públicas, refletido, categoricamente, numa vastíssima obra publica no sul de Portugal, com destaque para Vila do Bispo.

“Muita da minha obra está patente nas muitas cidades e comunidades onde vivi e onde realizei ou participei em exposições; mas também em coleções públicas ou privadas em vários países, sobretudo na Europa, mas também na América do Norte”

Mário, conhecendo o teu percurso, há algum aspeto de realce que nos queiras dar a conhecer?

Neste meu périplo de viagens através do mundo, a passagem do meu testemunho artístico, felizmente, é hoje tida como um relevante contributo para a diversidade artística e cultural de comunidades. São diversas as situações e, entre outras, posso citar a exposição do projeto “Galo-Celo”, a convite do Centro das Artes Contemporâneas de Montreal no Canadá, sobretudo porque é uma subversão ‘Pop-Arte’ do nosso famoso ícone de Barcelos, algo estritamente ligado à cultura portuguesa, amplamente aplaudido por pessoas oriundas de outros quadrantes artísticos e latitudes culturais.  Hoje, estas obras integram uma coleção internacional exposta no centro de Bruxelas! Nesta aventura criativa, geram-se sempre situações de grande imprevisibilidade, que transmutam para novas realidades de percurso e, consequentemente, catapultam a nossa obra para dimensões de maior relevância.

Como está distribuída a tua obra e qual é aquela que consideras mais marcante? 

Toda ela passou, naturalmente, por fases ou períodos mais ou menos marcantes, sendo que, para nós, a última que realizamos é sempre como o somatório da experiência visual que vamos obtendo e conhecimentos gerados no campo da estética! 

O que significa para ti Viana, apenas a bonita cidade da tua infância ou aquela que poderia ter uma matriz mais cultural?

Viana, naturalmente, significa muito para mim. Foi dela que senti o carinho dos meus primeiros passos na minha afirmação como artista. E foi nela que também senti o estímulo na procura de novos horizontes para o mundo das artes. Quanto à sua matriz cultural, penso que Viana sempre se regeu bem na afirmação dos seus ancestrais valores, uma cultura arreigada às tradições, marca inabalável revelada ao mundo. Contudo, no domínio das dinâmicas culturais, progressistas ou vanguardistas, felizmente, é um espaço onde sempre há imenso para fazer. Este desafio deve ser facultado e incentivado junto dos artistas e atores culturais, numa ideia de renovação da nossa sociedade. Assim o espero, porque Viana é uma cidade rara e única em beleza e forte na preservação dos seus valores tradicionais. Hoje vivemos num mundo de graves problemas que muito afeta a humanidade. Entendo, por isso, que as artes e a cultura em geral, mais que nunca, poderão ser como um farol de humanização na sugestão de novos caminhos e pensamentos geradores da paz

Ao vermos obra tua em tanta terra, porque nunca aconteceu em Viana? 

Essa é uma questão algo sensível para mim. Certamente que o estar algures ocupado com outros projetos, naturalmente, me distancia da minha terra, mas é meu intuito dar a conhecer a Viana o produto amadurecido do meu trabalho. Quando, não dependerá exclusivamente da minha vontade ou decisão. Naturalmente, logo que estejam reunidas as condições necessárias para uma exposição que integre a minha arte pictórica agregada à de escultura. Se, e quando acontecer, poderá ser uma agradável surpresa para todos. 

Gostavas de voltar definitivamente à tua terra de nascença e de infância e por aqui te fixares ou o teu mundo já não é este? 

Eventualmente, até penso que isso poderá vir acontecer, mas esse meu reencontro com Viana passa necessariamente por alguma logística, como a instalação de atelier próprio. 

NR.: A entrevista estava programada há muito tempo. Ficam as culpas para a gestão do tempo. Aconteceu agora, e bem, porque, desta conversa suficientemente amadurecida, resulta um melhor conhecimento de um vianense que, apesar de bem-sucedido noutras paragens, não esqueceu a sua terra.

 

Mário Miranda 

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