Um vianense na I Grande Guerra

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O Capitão Vicente Leonardo José da Silva nasceu em Viana do Castelo em 29 de dezembro de 1886. Depois dos estudos liceais e da matrícula nas politécnicas de Lisboa e do Porto consegue o acesso ao Colégio Militar. Um erro no ano de nascimento, nascido no fim de dezembro, só no ano seguinte foi registado, permite-lhe beneficiar da alteração da idade máxima de admissão e assim perspetivar uma carreira militar economicamente considerada mais vantajosa.

Com instrução militar em Infantaria 3 e mobilizado pelo Regimento de Infantaria 9 de Lamego, em 23 de março de 1917 embarca para a Flandres integrado num contingente do Corpo Expedicionário Português (CEP). A viagem de Lisboa até Brest teve de respeitar os devidos cuidados, dada a presença dos submarinos alemães que vigiavam a circulação de navios inimigos. Por terra, o transporte segue de comboio até Saint-Liévin, já em zona de combates, onde chegam a 04 de abril.

Com a sua companhia de sapadores vai transitando por diversas áreas de operação do CEP. Competia-lhes a construção e reparação de trincheiras, a montagem de “cortinas” de proteção de arame farpado, a instrução no manuseamento das máscaras antigás, tarefas penosas e não incluídas nos treinos de preparação para esta guerra. E é nestas funções que se encontra, no dia 09 de abril de 1918, em Lacouture, aquando da Batalha de La Lys, tristemente célebre para as forças portuguesas.

O forte bombardeamento alemão pelas quatro da madrugada e repetido pela manhã, abalou a organização e capacidade de resposta de contra-ataque. Com as comunicações cortadas e a impossibilidade de contacto com os comandos, o pânico e a desorientação tomam conta das forças do CEP, apesar de alguma resistência heróica e dispersa, porém inútil para o desfecho final: os que não conseguiram salvar-se ficaram mortos ou prisioneiros. Foi esta última a sorte do capitão Vicente Leonardo e dos homens que com ele escaparam com vida.

Rastat, Strasbourg e Breesen foram os campos de cativeiro por onde peregrinou o capitão vianense, num quotidiano marcado por escassez alimentar e de vestuário, doença, privação da liberdade e as saudades da família. Com o Armistício de 11 de novembro de 1918 soou para os prisoneiros a esperança da liberdade, concretizada a 29 do mesmo mês, quando as portas do campo de Breesen se abriram para a saída dos prisoneiros e o ansiado regresso do capitão Vicente Leonardo ao seio da família na sua Viana Natal.

Além destas “memórias” da Guerra, que o autor foi redigindo enquanto combatente no CEP, depois revistas e completadas na sua Quinta de S. João d’Arga, em Viana do Castelo, onde viveu até perto da morte, a outra não menos importante, é a correspondência assiduamente mantida com a família. Do universo de esse correio, a filha, Maria de Fátima Passos, selecionou para esta edição 153 missivas entre cartas, postais e telegramas – um palpitante repertório intensamente revelador da nobreza e elevação de caráter do capitão Vicente Leonardo.

Ternura e afeição aos pais e à família, a quem, minimizando os próprios sofrimentos, procura tranquilizar quanto à sua saúde e bem-estar, sempre animado pela esperança no seu regresso, são os sentimentos sempre presentes, alicerçados numa sincera religiosidade transmitida nas séries de postais ilustrados de temática mariana ou da vida de Jesus, reveladores, dum forte pendor devocional e dum apurado sentido estético.

Regressado à sua Viana, na Quinta de S. João d’Arga, na encosta de Santa Luzia, fixa residência. Em 08 de setembro de 1920, na igreja de Santa Marta de Portuzelo, une-se em matrimónio com Maria Carolina Zamith de Passos. O seu gosto pela escrita literária, a que dedica muito do seu tempo nos últimos anos de vida, ficou bem patente nos títulos Anima Mea, Paz aos Homens, O Cisne Cantou, praticamente preparados para edição. No dia 10 de abril de 1966, no decurso de uma viagem a Lisboa para visita aos filhos lá radicados, faleceu subitamente em casa da filha Maria de Fátima. Está sepultado no Cemitério Municipal de Viana do Castelo.

“Memórias e Correspondência de um Combatente: A GUERRA DE 14” é, na opinião de Tolentino de Mendonça, “um dos livros mais extraordinários do séc. XX escrito em pequenos bilhetes enviados da frente de combate durante a primeira Guerra Mundial” (Revista Expresso 12/7/2014). A sua leitura, testemunho vivo de quem a viveu em toda a dureza do seu drama, muito contribuirá, esperamos, para um melhor entendimento dos seus horrores, contradições e consequências.

Albino Ramalho

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