Uma família santa e numerosa

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manuel ribeiro

Quem será essa família que dá o título a esta crónica? Nada mais, nada menos que uma família constituída há dois mil e vinte e dois anos, lá para o chamado Médio Oriente, numa terra bem conhecida com o nome de Judeia (e algumas terras mais que me causam uma certa confusão geográfica e étnica, Samaria, Galileia, Palestina, Decápolis, Pereia Israel (que sei mais?…). Essa família estava radicada numa pequena cidade denominada Nazaré (na Galileia), embora, no nascimento do seu primeiro filho, a família estava de passagem, por outras razões (recenseamento romano), noutra cidade chamada Belém (na Samaria). Essa família formou-se sendo o Pai, José e a Mãe, Maria. E santa porquê? Porque o filho mais velho – o primogénito – se chamava Jesus e era, na fé dos seus seguidores, o Messias, o Cristo, prometido por Deus para salvação da casa de Israel, na linhagem do Pai Abraão e do Rei David.

Segundo uma certa tradição piedosa, à mistura com uma doutrina dogmática decidida no Concílio de Latrão (ano 649), Maria só teve esse filho Jesus e manteve-se virgem perpetuamente, até à morte. Por isso, essa honrosa família era mais do que “santa”, era “sagrada”. Os vianenses, para confirmarem o que acabo de dizer, não precisam de procurar muito. Basta que entrem na nova igreja da Sagrada Família, na paróquia de N.ª Snrª de Fátima, ali para os lados da Abelheira e, logo à entrada, olhando para o altar-mor, bem no topo, dominando todo o espaço interior, lá está o ícone, em grande tamanho: José, Maria e, ao centro, o menino Jesus. Ninguém mais. 

Esse ícone parece ser inspirador dos modernos casais católicos, portugueses e ocidentais, porque estes, na sua grande maioria, não vêm aceitando mais que um filho. Infelizmente, essa doutrina cristã da virgindade, como exemplo de santidade suprema, que apareceu mais de seis séculos depois da subida de Jesus aos céus, tinha e tem claros sinais de uma obsessão por parte de alguns teólogos, que no século VII, nesse concílio de Latrão, achou por bem decretar como dogma (doutrina indiscutível) a real e física “virgindade “de Maria, antes do parto, durante o mesmo e após o nascimento do seu filho “único” Jesus, até à morte dela, Maria. Os doutos padres conciliares poderiam ter ficado, em matéria de fé, pelo facto de Maria ter sido a Mãe do Filho de Deus, uma honra enorme (III Concílio Ecuménico de Éfeso, ano 431), mas não, até foi estabelecido o tal dogma da virgindade. O certo é que tais teólogos nunca explicaram as razões de tanto empenho e propósito. Só que é historicamente inegável que, nesses tempos, os pagãos gregos, romanos e de muitos outros povos (segundo o Novo Testamento…até os homens judeus) tinham uma predileção doentia pela virgindade própria de meninas e meninos.

Mas os historiadores e primeiros cristãos sabiam, sem qualquer problema, que o casal José e Maria, foi fecundo e criou uma família numerosa: 5 rapazes (Jesus, Tiago, José, Judas e Simão), e mais duas ou três filhas, cujas nomes destas são desconhecidos. Naquele tempo, entre os judeus, era comum haver famílias numerosas e, portanto, a santa e numerosa família de Nazaré pode ser invocada como padroeira das famílias numerosas. 

Há vários argumentos a favor da Sagrada Família (José, Maria e, apenas, um filho, Jesus) mas outros argumentos mais sólidos existem na defesa histórica da acima referida família. Na minha opinião, os argumentos favoráveis à existência histórica dos 6 ou 7 irmãos de Jesus são suficientemente convincentes:

1º – Dos 4 evangelhos canónicos 3 deles (Mateus, Marcos e Lucas) falam dos irmãos de Jesus. Os teólogos católicos sobre isso respondem que esses 6 ou 7 indivíduos “não são irmãos mas primos”, pois nas línguas hebraica e aramaica não existia a palavra correspondente a “primo” e a palavra “irmão” servia para irmão, primo e até companheiro. Isso é verdade. No entanto esses textos, pouco tempo depois, foram traduzidos para grego (que era o inglês do nosso tempo, como língua mais falada) e, na língua grega, já existiam palavras diferentes para “irmão” e “primo”. E lá aparece a palavra grega “adelphos”, que significa “irmão uterino”, ou seja, filho da mesma mãe. Essa gente toda era irmão/irmã de Jesus;

2º – “Estando eles ali (“eles” eram José e Maria, que estava grávida no fim do tempo, e esse “ali” era a cidade de Belém).  Então Maria deu à luz seu filho PRIMOGÈNITO” (Lc 2, 6-8). Ora, quem isto escreveu foi o Evangelista Lucas. E a palavra “primogénito” significa “o primeiro que nasceu”. Se tivesse só aquele filho o evangelista teria escrito “deu à luz o seu filho UNIGÉNITO, isto é, o seu filho único”. Mas foi, de fato, o primeiro filho;

3º – Nos recentes anos, em Jerusalém, foi descoberto um ossário de pedra, que tem a seguinte inscrição gravada “Tiago, filho de José e irmão de Jesus” Este Tiago é referido, várias vezes, no Novo Testamento e é chamado “Tiago, o Justo”. Foi o primeiro Patriarca de Jerusalém, após a morte, ressurreição e ascensão de Jesus, como que tomando conta da herança espiritual do irmão Jesus. Este Tiago, o Justo, foi martirizado e morto pelos judeus. Apesar de tudo isto, a Igreja Católica, que não outras igrejas cristãs, não tratou bem a história deste santo Mártir. E este comportamento do catolicismo porquê? Porque a Maria, a mãe de Jesus, foi-lhe atribuído o título de “Virgem Perpétua”!

Mas os cristãos/católicos acreditam num Deus poderoso, omnipotente. Sendo assim, também eles acreditam num milagre de Deus em matéria de virgindade. Fica sanada a dicotomia …

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