Uma festa desportiva nos confins do Alentejo

Aníbal Alcino
Aníbal Alcino

Quando estive a dirigir a Oficina de Olaria e Cerâmica de Viana do Alentejo (entre 1952 e 1959), anexa à Escola Secundária de Évora e ficava a 30 km de distância por estrada alcatroada, criei vários amigos que me acompanharam, nesses anos, e me deixaram muitas saudades. Muitos deles eram trabalhadores rurais, funcionários públicos (Repartição de Finanças, Câmara Municipal), lavradores, comerciantes, professores primários, etc. Pode dizer-se que Viana do Alentejo possuía a única escola de formação profissional existente em todo o país e, talvez, na Europa, sustentada pelo Estado, para elevar o nível técnico-artístico da louça, de barro vermelho, que se confecionava em algumas casas que se dedicavam a essa pequena “indústria artesanal”, nos confins do Alentejo. A produção decorria, na “venda”, por Alcácovas, Alvito, Oriola, indo até Beja, de um lado, e Évora do outro.
Os objetos eram tachos de barro vermelho, vidrado, bilhas para conter a água, e levavam para os trabalhadores do campo, homens e mulheres, quando ceifavam nas grandes searas de trigo “amarelo ocre”, dos campos do Alto e Baixo Alentejo.
Como em todo o lado, no “Café da Praça”, que ficava, exatamente, junto à Câmara Municipal, discutia-se de tudo e, é claro, Futebol!
Ali, nos confins do Alentejo, só se admitia falar do Sporting ou do Benfica. Viana do Alentejo tinha, inclusive, uma espécie de “sede”, ou “sucursal”, do Sporting, de Lisboa, e usava nas suas camisolas, as cores desse afamado “grupo” da capital.
Os meus amigos alentejanos estavam longe de supor que eu era um adepto (eu e a minha mulher) do Futebol Clube do Porto, de onde ela era natural, e eu, desde os três meses de idade, porque vivi e nasci, casualmente, em Argoncilhe, concelho de Santa Maria da Feira.
Foi na cidade do Porto que estudei, vivi, e me formei, até aos vinte e cinco anos. Em Viana do Alentejo só vivia um amigo, do Norte, técnico da fábrica de moagem de farinhas existente na periferia da Vila, de nome Artur, e também simpatizante do FCP. Era minhoto e dávamo-nos bem.
Porém, nessa ocasião — talvez em 1957 ou 1958 — não me lembro precisamente da data, o treinador de futebol do Brasil, Dorival Yustrich, ganhou dois campeonatos de futebol, pelo FCP e nós, eu e o Artur, nem piávamos!… Combinados, ou antes, resolvemos fazer uma surpresa aos amigos alentejanos…
A minha mulher, Maria Helena, que era igualmente “portista” (esclareço, à parte, que já somos casados há 68 anos) confecionou um borrego, inteirinho, assado no forno, com batatinhas pequeninas “alouradas”, acompanhado, à parte, com um arroz “amarelinho”, e pedimos ao contínuo, sr. Guerra, para levar, para a tasquinha-café do filho do velho Botas “cauteleiro”, o borrego tapado com um pano de linho, a comezaina começou pelas 15 horas da tarde.
Comprámos uma “estampa fotográfica”, a cores do FC Porto, que obteve, por essa altura, o feito de alcançar a “dobradinha”: dois campeonatos nacionais de futebol seguidos. Colocámos na frente, a tapar a “foto”, uma cortininha de pano e, quando estávamos todos na mesa, abrimos a “surpresa” — a cortina abriu-se! Todos se riram. Ninguém levou a mal, de resto, eles já sabiam o que se ia passar…
Nos convidados não havia classes — era eu, o Artur, da fábrica de moagem, o Dr. Garrido (médico), o Dr. Arquinio (veterinário), lavradores, funcionários públicos — sei lá — levamos umas garrafinhas de vinho verde “Alvarinho”, de Monção, “Muralhas”; espumoso do Alto Minho, e cantámos à Alentejana.

(Imagem: “# Museu FC Porto”)

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