«Nem todos compreenderam este astro da poesia. Para uns, não passa de um orador de extraordinário poder formal em que da prolixidade verbal nada se depreende de autenticamente poético; para outros, vale o satírico inflamado de A Velhice do Padre Eterno e de A Morte de D. João.»
CISEDAL
(In, Elucidário Regionalista de Ponte de Lima [1950], 2.ª edição, 2005, p. 100)
No ano em que se evoca o centenário da morte de Guerra Junqueiro (1850-1923), e de tudo o que se escreveu e tem vindo a escrever a seu respeito, nomeadamente sobre a sua passagem por Viana do Castelo e seu distrito, pouco nos restava senão recorrermos apenas à memória pessoal dessa “juventude radiosa”, colegial até, que nos conhecera os próprios passos (1967 a 1970), quando nos confrontamos na obrigatoriedade de folhearmos a Selecta Literária [Lisboa: Livraria Didáctica Editora, Volume I (3.º Ano), 9.ª edição, 1968], organizada por Júlio Martins e Jaime da Mota, ao tempo professores efectivos do Ensino Liceal, inserida no Programa de Português, cujo incentivo à leitura e estudo de trechos, em prosa e verso, de obras literárias portuguesas dos séculos XIX e XX, que pelo seu conteúdo e pela sua forma fossem acessíveis à inteligência dos alunos, despertando neles o gosto literário e artístico, “fomentando o interesse científico e sugerindo impressões tendentes a uma sólida e recta formação moral.”
Dois bucólicos poemas integravam a obra: A Lágrima e A Moleirinha, sendo que o segundo já o havíamos lido e interpretado no livro único da 4.ª classe, e que nos obrigaria a levá-lo ao palco, de forma cantada, num musical magistralmente encenado pela professora Maria José Babo, uma professora de música e canto que se apaixonara pelo poeta panfletário, o mais típico representante da chamada “Escola Nova”. Venerava-o e fazia com que o venerássemos.
Retínhamos assim na memória o lado poético-panfletário de Guerra Junqueiro, através da cadência (toc, toc, toc…) do jumentinho da “velhinha (moleirinha)” errante, inspirada “na visão bucólica das moleiras que, de Areosa, vinham à cidade [Viana do Castelo], com seus burricos ajoujados ao peso de sacos de farinha (1)”, aqui e acolá partilhado por uma ou outra das antologiadas preferências de Maria José Babo: Fernando Pessoa, com o seu Mar Português; António Nobre, nas Viagens na Minha Terra; António Feijó, com o seu não menos bucólico poema Noite de Natal; Augusto Gil, com a Balada da Neve; Afonso Lopes Vieira, com o Romance das pérolas, ou o épico Bartolomeu Marinheiro.
O lado político de Guerra Junqueiro soubemo-lo, aí pelos anos 80, do século e milénio passados, através de uma ou outra “conversa de café” com José Augusto Seabra (1937-2004). No seu livro Rostos Europeus do Porto (2001), refere-se a Guerra Junqueiro numa concepção do republicanismo que diferia da do positivismo prevalecente no Partido Republicano, que o mesmo Guerra Junqueiro criticava por ser “quase circunscrito a Lisboa” e “composto sobretudo de pequenos burgueses”, “gente de balcão e não de barricada”.
Disto daremos sempre testemunho, em nome da Memória e da Poesia!
Porfírio Pereira da Silva