Vanguardismo nacional

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

O país tem vindo a incluir, no nosso ordenamento jurídico, praticamente todas as matérias fracturantes da sociedade, através de uma extrema-esquerda minoritária, mas buliçosa e atrevida, que até possui o condão de transformar vilões em grandes personalidades. Se a memória de muitos portugueses não resistisse à erosão dos tempos, quantas realidades não ficariam no esquecimento! Por exemplo, quando ouço falar em Mortágua, um apelido bastante citado na actualidade, a memória recorda-me o assalto efectuado a um banco na Figueira da Foz, aí pela década de sessenta, chefiado por um indivíduo com aquele apelido e de seu primeiro nome Camilo, tendo fugido numa avioneta com o dinheiro roubado para fora do país. Mais tarde, e por ter realizado o assalto com sucesso, reapareceu travestido de lutador pela democracia!…

Já que falamos de bancos, e na tradição dos golpes desferidos contra os mesmos nos últimos anos, que levaram alguns à falência (BES, BNIF, BPN, BPP…) é evidente que não poderia deixar de aludir aos saques verificados na Caixa Geral de Depósitos (CGD) já neste século, decorrentes da imprudente quanto irresponsável concessão de créditos sem garantias firmes de reembolso, e dos “agradecimentos”, vulgo “luvas”, que nalguns casos terão ocorrido. O resultado foi que o Estado se viu obrigado a reforçar o capital com alguns biliões de euros dos impostos que pagamos, para a CGD não ir à falência, e, até ao momento, que se saiba, ainda ninguém foi responsabilizado. De extrema gravidade é, também, o facto de existir nas instituições envolvidas neste problema (CGD e BdP) uma doentia confidencialidade quanto aos nomes dos participantes nestas golpadas, chegando-se mesmo à arrogância de ser entregue aos deputados, que irão investigar esta situação, um relatório com os nomes dos envolvidos rasurados, para que não sejam conhecidos da opinião pública. Se calhar é por serem virtuosos!… É de loucos o que se está a passar a nível dos colarinhos brancos engravatados e quase não dá para acreditar! Mas, em Portugal, país de bandeira vanguardista, é a realidade que temos.

Quer dizer: – Tal como o Mor-tágua regressou ao país transformado em herói, também os gestores que estiveram envolvidos nestas golpadas, e que mostraram não ser confiáveis, irão, certamente – se não forem desmascarados -, ficar na história como grandes exemplos de profissionais com o aval do Estado.!…

Porque será que isto acontece? Há, certamente, razões que, de forma legítima, nos permitem especular que entre eles – maus gestores e caloteiros – estarão, porventura, algumas “vacas sagradas” em quem não se pode tocar. Por exemplo, gestores bancários em posições de relevo lá pelo BCE em Bruxelas, outros em bancos ou instituições congéneres e por aí fora! Nós, cidadãos, queremos confiar que os senhores deputados da Nação, intervenientes nesta terceira Comissão de Inquérito à CGD, tenham a coragem de esmiuçar esta matéria até não restarem quaisquer dúvidas sobre todos os envolvidos nesta problemática, para que possam ser julgados e responsabilizados.

Quando há pequenos devedores que não podem satisfazer os seus compromissos por um qualquer problema inesperado, os bancos levam-lhes tudo, o fisco cai-lhes em cima com penhoras e ninguém se importa que as pessoas fiquem na miséria. Com esta “finesse” engravatada e perfumada, em que os milhares de milhões de euros se eclipsam como que por magia, parece que o Estado tem medo de agir.

Esta realidade não pode continuar, sob pena de se amaldiçoar a democracia, que permite toda a libertinagem e todos os comportamentos desviantes.

O povo está farto de maneirismos, dos golpismos e dos corruptos da alta roda, assim como estão enojados com este vanguardismo patético que apenas serve uma minoria de privilegiados. E se o Estado não se assumir como exemplo de autoridade e transparência, mandando para trás das grades todos aqueles que têm delapidado o erário público, passaremos a ter uma administração sob suspeita e mutilada do seu melhor, ou seja, da Justiça, da equidade e da ética. E, assim, seremos sempre pequenos entre as outras nações.

Foto: DM

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