XXXI. MAGRITTE

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Américo Carneiro

René Magritte (Bélgica, 1898 – 1967) – “A Condição Humana”, Óleo sobre Tela, Ano de 1935

Nos anos 20, Magritte já tinha trabalhado na produção de padrões para uma fábrica de papel de parede e, como designer publicitário, na realização de anúncios e cartazes. Com apenas 18 anos, em 1916, havia entrado na Real Academia de Belas-Artes de Bruxelas, na sua Bélgica natal, mas por ali andou apenas dois anos que, apesar de tudo, pareceram ter sido bem aproveitados em ganhos técnicos, virtuosísticos. Depois, em 1926, celebrou um vantajoso contrato com a Galeria de Arte “Centaure” de Bruxelas, o que lhe deu a possibilidade de fazer da Pintura a sua principal actividade. 

Nesse mesmo ano de 1926, e por força dos seus vínculos contratuais com a Galeria “Centaure”, Magritte executou a obra “Le Jockey Perdu”, pérola do Surrealismo de todos os tempos que, por caminhos mais ou menos travessos, o levaria a mudar-se para Paris no ano seguinte. Aqui vem a conhecer André Breton, o grande teórico do Movimento, o genial Poeta Paul Éluard assim como o Pintor Marcel Duchamp. Estes quatro tornaram-se, a breve prazo, grandes amigos, cúmplices e fundamentais impulsionadores do Movimento Surrealista.

Num certo sentido, o caso de René Magritte é paradigmático, valendo para toda uma geração de jovens idealistas – aqueles mesmos que viriam a resolver gloriosamente algumas das questões maiores deixadas para trás pelas primeiras vagas do Modernismo. Tomemos o caso dos abstracionistas e, depois, dos cubistas, que, doravante, a partir da adopção de princípios científicos, rejeitavam liminarmente os “factores ilusórios” da Pintura como a representação tridimensional ou os “modelos da Natureza” e na alternativa representação em planos bidimensionais (“planos”) e geométricos, tendo-se afastado de toda e qualquer noção de “perspectiva”, viam o caminho aberto e bem amplo para a criação e produção férteis das suas obras.

Para Magritte e a sua geração, adversa aos academismos, ao “classicismo” e às suas práticas de controlo e, até, de castração dos artistas, eles sabiam que existiam outras realidades para além da “realidade”, realidades que transcendiam enormemente essa mesma “realidade” e que podiam (“e deviam”) materializar-se na criação artística mediante o uso do vocabulário, dos materiais da imaginação e dos instrumentos materiais dessa mesma “realidade”, comuns a narradores e a narratários. Ou seja, através do uso dos materiais de que são feitos…os sonhos…

Daí, o seu amor ao realismo mágico, ao surreal realismo, às ilusões de óptica, aos golpes de ilusionismo visual, às saborosas “anomalias” que se descortinam mesmo que bem mascaradas sob a capa de uma diáfana “normalidade”, e, enfim, o seu intenso amor aos paradoxos da visão e da percepção (V., p.f., o artigo “X. Dalí”, na rúbrica “Amados Quadros” d`”A Aurora do Lima” N.º 9, Ano 167, de 10.03.2022).

Com “A Condição Humana”, Magritte apresenta-nos uma cena tranquila, pacífica, verosímil e aparentemente simples de interpretar. Um “exótico” pórtico-janela abre-se sobre uma praia deserta e um mar sem fim, que parecem convidar-nos “a sair”, ultrapassando, como obstáculo, uma pesada esfera metálica. Ao lado desta, e enquanto a observamos, deparamos com as pernas de um cavalete e, sobre este, uma tela já concluída e que representa a continuação da paisagem exterior – Afinal de contas, só existe um pórtico “normal” como abertura daquela parede e a tela que “o abre em forma de janela” (são agora visíveis os seus limites discretos sobre o cavalete) é como que uma pintura dentro da pintura e encobre algo que nunca poderemos ver!…

Mas…como pode isto ser, se todos os elementos deste quadro fazem parte da mesma pintura?!…

O observador é, assim, apanhado na armadilha da sua própria percepção da “realidade”, ao deparar-se com os elementos constitutivos da obra como sendo, um, “real”, e o outro, “representação do real”; e só ao tomar consciência desta falácia pode, finalmente e em todo o esplendor, fruir plenamente da Arte de Magritte.

N.R. – O Autor não segue as normas do novo Acordo Ortográfico.

 

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