Os amores de Salazar

Humberto Pinho da Silva
Humberto Pinho da Silva

O conceito que se tem de Salazar é de político solitário, déspota e por vezes impiedoso. Mas seria o estadista, realmente, assim? Ou seria amoroso, cujo coração foi endurecido pelas constantes humilhações e afrontas sofridas na infância e adolescência? Nesta despretensiosa crónica, vou olvidar a vida política do estadista, abordando apenas a faceta amorosa, quase desconhecida, do antigo Presidente do Conselho.

Dos amores que se lhe conhece, destaca-se, talvez, a primeira paixão pela prima Ida, filha de modestos lavradores. A moça era formosa, loira e bastante elegante. Talvez por timidez, receou falar-lhe pessoalmente e escreveu-lhe romântica missiva, declarando o amor que lhe brotara do peito. Confusa, aconselhada pelos pais, a cachopa recusou, receando não estar a nível de poder namorar um doutor… Mas o grande amor, quiçá o mais sincero e mais arrebatador, foi pela filha do patrão de seu pai. Conheciam-se desde a meninice. Eram amigos, e companheiros de infância. Dessa inocente amizade germinou, entre ambos, um grande amor. A mãe da menina tinha o rapaz em grande estima e, deveras, admirava-o pela sua excecional inteligência. Criara-se em sua casa, sob sua proteção maternal, mas jamais poderia aceitá-lo como genro. Certo dia de verão, reparou no lânguido olhar do jovem e, principalmente, no jeito enternecido como a filha lhe falava, desconfiando que podia haver possível namorico. Resolvida a cortar o mal pela raiz, chamou-o recatadamente e, de fisionomia carrancuda, disse-lhe: “António, tu sabes como sou tua amiga. És inteligente e chegarás, por certo, muito longe. Mas é bom não esquecer: “para nós, serás sempre o filho do feitor. Por isso, não quero intimidades com minha filha”.

Passaram-se vinte anos, depois dessa severa reprimenda, que dolorosamente feriu o orgulho de Salazar. Dona Maria Luísa – mãe da menina, – telefonou-lhe. Feita a ligação, pergunta-lhe cordialmente: “ainda se lembra de mim”? Respondeu-lhe, ironicamente, o Presidente do Conselho: “perfeitamente, minha Senhora; daqui fala o filho do feitor de Vª Exª”.

É igualmente sabido o grande afeto que Salazar sentia por Chistine Garnier, jornalista que Bernard Grasset enviou para o entrevistar. Quando Jean-Francois – filho de Christine – foi entrevistado pelo jornalista do “Publico”, António Melo (18.04.2000) declarou que a mãe, quando lhe falava de Salazar, exprimia-se, carinhosamente, com “notre ami”, e que ambos trocavam correspondência e prendas. Pelo Natal, Salazar sempre lhe enviava vinho do Porto. O estadista amou-a, mas à sua maneira; e ela, em recato, nutria por ele intensa amizade, para não dizer amor.

Salazar teve ainda outros amores. Foi amado por muitas Senhoras da alta-roda. Entre elas, fidalga da mais elevada linhagem. Segundo a irmã de Salazar, a Senhora Marta, o estadista, em petiz, foi um menino pobre, que gostava de passear com o “Dão”, cachorro da família, e raras vezes brincava. Era tímido e muito meigo. Se uma mana fosse castigada, ia logo beijar a mãe, pedindo-lhe que a perdoasse. Sentia pela progenitora amor extremoso. Quando ela esteve em agonia, aflito, passou a seu lado, de pé, nove dias seguidos, a ponto de lhe incharem os pés de cansado.

O homem que dizia “sou um camponês, filho de camponeses”, se não fosse inteligente e não o tivessem enviado para o Seminário, seria humilde camponês, como seu pai. Talvez tivesse sido mais feliz no amor e, certamente, levaria vida mais tranquila. Salazar nasceu a 28 de abril de 1889. Era filho de pobre trabalhador rural, que administrava, como feitor, a Casa dos Perestrelos, em Santa Comba Dão.

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